São três ferozes disputas simultâneas. A primeira no Senado, em torno de escândalos político-administrativos. A segunda opõe Estados produtores de petróleo e a União, a respeito dos recursos a ser arrecadados com a exploração do pré-sal. E a terceira ocorre na Receita Federal, com uma guerra aberta entre grupos e demissões que ameaçam paralisar a arrecadação.
A extraordinária turbulência na condução de assuntos de interesse público nessas três dimensões não é acidental. Trata-se, ao contrário, de clara demonstração de mau funcionamento da engrenagem político-administrativa. Apesar das cores atuais e das digitais partidárias situacionistas nesses episódios, as disputas são essencialmente sintomas de uma doença crônica. Seria novidade a associação entre o pretexto da governabilidade e a interminável sequência de escândalos políticos? Ou a disputa de recursos fiscais entre o governo central e as unidades da Federação? Ou as guerras de ocupação da administração pública disparadas entre facções partidárias?
A hipertrofia e as disfunções de uma engrenagem que absorve 40% do Produto Interno Bruto (PIB) de uma economia de dimensões continentais resultam no superdimensionamento de suas estruturas administrativas, da cúpula no Senado à própria base de arrecadação na Receita. As disfunções têm raízes no Antigo Regime. A superinflação, os impostos excessivos, os juros astronômicos, a corrupção sistêmica, as batalhas por cargos públicos e a desmoralização da política são manifestações da incapacidade de articulação pela reforma do Estado. Esse é o enigma ainda não decifrado pela classe política brasileira. O ex-presidente José Sarney é apenas um símbolo do Antigo Regime nesta incompleta transição para a Grande Sociedade Aberta.
Os economistas, inadvertidamente, patrocinaram esse equívoco desde o início da Nova República, ao fazer planos de estabilização que prescindissem da reforma do Estado. Eram extraordinárias e legítimas as pressões por gastos sociais de uma democracia emergente. E a social-democracia apenas disparou novas ondas de gastos, evitando o confronto com o Antigo Regime. Não apenas nas alianças políticas espúrias que uma reforma política teria dispensado, mas também em uma partilha desaconselhável de recursos públicos que a reforma fiscal teria evitado.
A mãe de todas as reformas é a política. Eleitores esclarecidos entendem os afagos entre Lula, Collor e Sarney, arqui-inimigos do passado, como um esforço de preservação de práticas político-administrativas profundamente defeituosas. É importante que os agentes da governabilidade sejam os partidos, e não uma relação suspeita e disfuncional do Executivo com cada deputado e senador. Para isso, é imprescindível a implantação da fidelidade partidária e do princípio de votação dos parlamentares em bloco com seu partido. O Congresso ganharia em funcionalidade para a tramitação das reformas de que o país precisa.
O entendimento político- -partidário no atacado, em vez da compra de votos no varejo, tornaria possível uma rápida implementação das reformas necessárias. Estariam na agenda a reforma do Estado e a redefinição das prioridades dos gastos públicos; a reforma fiscal e a descentralização de recursos e atribuições para Estados e municípios; a reforma tributária e a redução do número de impostos e suas alíquotas; e até mesmo a redistribuição da riqueza do pré-sal por meio da reforma previdenciária.
Se, por um lado, o presidente Lula teve a maturidade de não se aventurar no script bolivariano ante a fragilidade do Congresso, por outro, tem evitado pragmaticamente se envolver no incontornável tema de uma reforma política. E se, por sua vez, o Senado não enfrentar o desafio, retirando da própria crise a energia para se regenerar por meio da reforma política, os escândalos serão o tema crítico da próxima campanha presidencial.
(Época – 07/09/2009)
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