Charlie Munger, parceiro de Warren Buffet na Berkshire Hathaway, tem uma citação de que gosto muito: “Mostre-me os incentivos que eu lhe mostrarei o resultado”. Todo mundo que redige uma lei ou um contrato, pelo menos na área econômica, deveria pensar na citação de Munger antes de pegar a caneta.
[su_quote]Está em curso um realinhamento da forma como grandes projetos públicos são contratados[/su_quote]
Infelizmente, não é isso que ocorre. No Brasil, a contratação de grandes obras públicas sofre com incentivos errados, na contratação de estudos, nos editais de licitação, na seleção e fiscalização de quem executa as obras etc. Toda a institucionalidade desse processo em grande medida ignora que os agentes econômicos reagem a incentivos, comportam-se oportunisticamente e exploram os espaços abertos para maximizarem seus ganhos.
A reação tradicional a isso é tentar adivinhar e proibir comportamentos indesejados, e penalizar os gestores públicos se algo não for de acordo com os planos. O resultado não tem sido bom: atrasos, estouros de orçamento e, em muitas áreas, a paralisia. Enfim, o resultado esperado, dados os incentivos vigentes.
O reconhecimento dessa situação tem estimulado a adoção de modalidades de contratação com incentivos mais alinhados ao interesse público. Uma delas é a contratação integrada. Nesta, o mesmo fornecedor faz o projeto de engenharia e executa a obra. Ele é incentivado a preparar um bom projeto, já que arcará com as consequências negativas, se não o fizer.
Essa modalidade não é isenta de problemas, mas nos Estados Unidos ela tem gerado bons resultados, em termos de prazo e custo. No Brasil, alguns órgãos públicos também têm tido uma experiência positiva com sua adoção.
Mais radical é a contratação de grandes projetos via concessão ou parcerias público-privadas (PPPs). Neste caso se contratam mais atividades, de forma integrada, de um único fornecedor, o que alinha os incentivos em mais etapas do projeto. Essa forma de realizar projetos se popularizou mundo afora, inicialmente na infraestrutura e mais recentemente na provisão dos mais variados tipos de serviço público.
Porém, quanto mais integrado o projeto, mais complexa é a sua contratação. No Brasil, como na maioria dos países emergentes, o setor público tem deixado para a iniciativa privada preparar o projeto de concessão ou PPP, sob sua autorização, entrando depois na análise das propostas de projeto recebidas e na montagem e execução da licitação. O vencedor da licitação depois reembolsa os custos incorridos por quem preparou o projeto. Esse mecanismo é conhecido como Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI).
Essa alternativa tem suas vantagens, incluindo a possibilidade de o privado incorporar novas tecnologias ou desenhos ao projeto, mas também não é isenta de problemas. O maior deles ocorre quando a preparação é feita por uma empresa interessada na própria concessão ou PPP. Neste caso, o incentivo da empresa é propor o modelo que melhor atenda seus interesses privados e disponibilizar o mínimo de informações, para aumentar sua chance de vencer a licitação. Não é uma crítica, só uma constatação.
Por isso, pode ser interessante também envolver no PMI empresas independentes de estruturação de projetos – isto é, que não participem da licitação em si –, cujos incentivos são mais alinhados com os do governo.
Diferentes fatores têm inibido, porém, uma indústria mais dinâmica de estruturadoras independentes. Em especial, o fato de ser caro e arriscado atuar nesse setor. A preparação de um grande projeto exige vários especialistas em áreas diversas, leva tempo e consome muitos recursos. E há grande incerteza sobre se esses gastos serão recuperados, já que o setor público poderá não escolher o projeto da empresa, pode decidir não levar o projeto adiante e pode ocorrer do projeto não ter interessados.
Na prática, relativamente poucos projetos cuja preparação foi autorizada pelo governo, em seus três níveis, resultaram em investimentos. Atento a essa realidade, e prestes a lançar nova rodada de concessões, o governo federal alterou recentemente a regulação dos PMIs. Três mudanças se destacam.
Primeiro, se abriu a possibilidade de que o próprio privado sugira um projeto a ser estudado e realizado. Segundo, revogou-se a limitação à realização de PMIs de projetos de PPP cuja contraprestação pública exceda 30% do total das receitas do parceiro privado. Isso abre um espectro mais amplo de projetos que podem ser estruturados via PMI.
Por fim, deu-se ao gestor público a liberdade de decidir, em cada caso, se vai permitir ou não a preparação de projetos, na modalidade de PMI, por empresas que venham depois a participar da licitação da concessão ou PPP. Ou seja, ele agora pode autorizar a preparação de projetos apenas por estruturadoras independentes.
Está em curso, portanto, um realinhamento da forma como grandes projetos públicos são contratados, buscando-se alinhar melhor os incentivos públicos e privados. A direção geral é boa, mas ainda há espaço para aprimoramentos.
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2015.
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