por Ives Gandra da Silva Martins e Marcos Alberto S. Bitelli
A aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 116, que cria um novo marco legal para os serviços de televisão por assinatura, porá fim às assimetrias regulatórias entre as tecnologias de TV a cabo, MMDS e DTH. Permitirá a entrada das empresas de telefonia neste mercado, prometendo mais a competição. Estabelece, ainda, um campo de proteção à atividade econômica das empresas de radiodifusão ante a maior capacidade econômica das “teles”. Com este cenário, diz-se que a oferta de serviços convergentes deverá aumentar a capilaridade de inserção desses serviços em todas as regiões do Brasil, levando ao aumento do acesso à internet. Parece uma boa ideia. Contudo, a tramitação desse projeto originário da Câmara dos Deputados (o PL 29) padece de um vício recorrente no processo legislativo brasileiro, que é a inclusão de contrapesos e caronas que acabam sendo tolerados em troca de um ou outro benefício setorial.
Sem ouvir os assinantes e ao arrepio dos princípios fundamentais da Constituição, o Senado, numa casuística urgência que privou a análise técnica das suas comissões (em especial da de Constituição e Justiça), permitirá restrições aos direitos de comunicação social e a concessão de indevidos poderes de regulação da programação audiovisual pela Agência Nacional do Cinema (Ancine). Essas perigosas proposições, de constitucionalidade questionável, estão espalhadas nos Capítulos IV e V do PLC 116.
Preocupa que a Ancine, agência criada para o fomento da atividade audiovisual, seja erguida à efetiva condição de agência reguladora da atividade do audiovisual, que não é um serviço público sujeito a outorgas. Com essa novidade, o Brasil entra na onda de outros países da América do Sul que estão voltando suas energias para o controle da mídia.
A proposta chega ao limite de permitir que a agência autorize ou não a programação de um canal de TV paga, defina qual é o seu horário nobre, indo ao absurdo de poder cassar, banir este canal de ser veiculado. Estabelece, ainda, um anacrônico nacionalismo contra os estrangeiros, pessoas físicas e jurídicas, que afastará investimentos. Trata-se de um precedente gravíssimo que põe em xeque o papel das agências reguladoras, remetendo à ressurreição do sonho ideológico da “Ancinav”, que parecia sepultado pelo governo do presidente Lula.
O Capítulo V introduz questionável regime de inserção de cotas de conteúdo brasileiro dentro dos canais, o que viola a propriedade autoral e a liberdade de comunicação e expressão. Os canais de conteúdo qualificado terão de descompilar sua programação, e o assinante terá de assistir aos produtos compulsoriamente programados, por vontade do Estado. É a “Hora do Brasil” versão 2011, um verdadeiro retrocesso no momento que vivemos.
As restrições de direitos historicamente não funciona como instrumento de incentivo, e as intervenções do Estado nos mercados contra o interesse dos consumidores são inócuas. O consumidor buscará o que ele deseja de outras maneiras, notadamente aquelas que não geram impostos, empregos, desenvolvimento e respeito aos direitos intelectuais. Os artigos 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 do PLC 116/2010 merecerão ser considerados inconstitucionais, assim como seus artigos 9.º, § único, 10, 12, 13, 21, 22, 31 e 36, incisos III e IV, pois ferem todo o capítulo da Comunicação Social, diversos dispositivos dos direitos individuais, o princípio da livre iniciativa, da livre concorrência, do planejamento indicativo para o segmento privado e, principalmente, o direito do consumidor, cuja defesa obrigatória pelo governo não é feita no PLC 116, pois o governo se transforma de defensor em agressor. Sem a supressão desses artigos, pelo Senado ou por veto presidencial, restará apenas ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de extirpá-los do nosso ordenamento jurídico.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 10/08/2011
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