A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que o governo enviou ao Congresso na semana retrasada, entre tantas outras atribuições, cria o Conselho Fiscal da República. O conselho é formado pelos presidentes de cada um dos Poderes da República, da Câmara dos Deputados e do TCU, além de três governadores e três prefeitos.
Segundo o texto da PEC, a função do conselho será zelar pela sustentabilidade das contas públicas e monitorar a execução orçamentária de todos os entes federados, além de expedir recomendações e comunicar as irregularidades aos órgãos.
Pelo texto da PEC, a função do Conselho é dar transparência às contas públicas, principalmente dos entes subnacionais.
O Conselho parece-me ocioso. De fato, havia na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) a previsão da constituição de um Conselho de Gestão Fiscal. Mas, desde que, há três anos, foi criada a IFI (Instituição Fiscal Independente), o papel desses conselhos perdeu muito de sua importância.
Como recomenda o técnico do FMI Paulo Medas, em seu relatório sobre as dívidas dos entes subnacionais brasileiros, a IFI pode desempenhar essa função.
IFI foi criada em novembro de 2016, por meio de uma resolução do Senado. Faz parte de uma família de instituições congêneres espalhadas pelo mundo, como o Office for Budget Responsibility britânico, criado em 2010; e o Conselho das Finanças Públicas português, criado em 2012.
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Aqui e lá fora, as “IFIs” têm o dever legal de atuar como fiscal watchdogs, cães de guarda, alertando a sociedade para o descumprimento das regras fiscais estabelecidas por lei, e para o impacto de medidas sobre o equilíbrio fiscal de longo prazo.
Ou seja, uma pequena alteração no escopo da IFI —estender seu campo de atuação para as finanças dos estados e dos municípios— permite que a instituição desempenhe a tarefa que seria do Conselho Fiscal da República proposto pela PEC.
Faz sentido que uma instituição ligada ao Senado acompanhe as contas dos entes subnacionais. O Senado é a Casa que zela pelos temas ligados ao pacto federativo.
É importante frisar que a IFI continuaria a ser um órgão sem poder normativo. Este continuaria com o TCU, que, em razão do oportuno instrumento adicionado pela PEC, inciso XII, ao artigo 71 da Constituição Federal, passa a ter o poder de impor aos estados e aos municípios a adoção dos mesmos critérios contábeis do manual do Tesouro Nacional.
A harmonização das regras contábeis em toda a Federação brasileira é um dos principais objetivos do conjunto de medidas que o governo enviou ao Congresso há duas semanas.
Meu ceticismo de que um órgão político, como proposto pelo governo, seja eficaz deve-se ao fato de que, se por um lado é verdade que os estados e os municípios têm autonomia por serem entes federados, por outro lado, se houver “grave comprometimento da ordem pública”, a União tem que intervir. Ou seja, os entes federados não são integralmente responsáveis pelos seus atos. Sempre que eles puderem, tentarão empurrar seus problemas para a União.
A natureza política do Conselho pode acabar por estimular comportamento oportunista de governadores e prefeitos: graves desequilíbrios podem ficar escondidos até explodir.
A distribuição de atribuições entre o TCU e a IFI —esta acompanha e dá publicidade aos dados, e aquele zela pela correta e harmoniosa contabilização dos dados fiscais em toda a Federação brasileira— parece-me a forma menos dispendiosa e mais simples de a sociedade proceder a um detalhado acompanhamento das contas do setor público.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 17/11/2019