Celso de Barros, em coluna na “Folha” na segunda-feira passada (14), demonstrou temor de que o período “Malocci” (Pedro Malan e Antonio Palocci), de rara racionalidade na economia e criação de políticas sociais de redistribuição, seria uma exceção.
Com Fernando Henrique Cardoso, o conflito inerente entre crescimento econômico e melhora redistributiva não existiu. A estabilização macroeconômica, que elevou a eficiência, simultaneamente atacava a desigualdade.
Com Lula, um boom de commodities permitiu aceleração do crescimento e a continuação do pacote social-democrata por caminhos baratos, como o programa Bolsa Família.
O fim do boom de commodities e a necessidade de aprofundar os programas sociais por caminhos mais caros e complexos -como o Fies e o Minha Casa, Minha Vida- nos colocaram na atual confusão.
Pergunta Celso: estamos condenados ao populismo com inflação, desorganização e surtos de crescimento quando os preços das commodities estão em alta? Ou os economistas enxergam um pacote mínimo que, contemplando a eficiência econômica, gere algum ganho no curto prazo aos pobres, o que tornaria essa proposta eleitoralmente viável?
A premissa de Celso é que toda medida que eleva a eficiência econômica reduz, no curto prazo, o ganho dos mais pobres. Essa suposição pode estar errada. Por exemplo, não parece que a criação do banco de horas e do contrato temporário de trabalho, no governo FHC, tenha sido ruim para os trabalhadores.
Celso também subestima o custo fiscal do desastroso intervencionismo iniciado em 2006.
Aceitando a premissa de Celso, há a sugestão de que a moeda de troca seria a tributação da distribuição de dividendos. É importante lembrar que escolhemos no Brasil fazer essa isenção na pessoa física porque já tributamos muito na pessoa jurídica. A tributação do lucro na pessoa jurídica no Brasil é de 34% e chega a 45% se for empresa do setor financeiro.
Segundo os economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, a média na OCDE (organização que inclui os países desenvolvidos e alguns emergentes) da tributação de lucros e dividendos -consolidando pessoa física e jurídica- é de 44%. Pode-se arrecadar algo a mais no Brasil por esse caminho, mas o espaço é bem menor do que se imagina.
O grosso de nossas distorções prejudiciais ao crescimento econômico inclusivo -a maior arma de combate à pobreza no Brasil e no mundo- não tem origem no conflito entre equidade e crescimento. Na verdade, a maior parte delas é fruto das ações dos grupos de pressão que criam isenções e favorecimentos para si em detrimento do bem comum.
A lista de meias-entradas, na feliz expressão de Marcos Lisboa e Zeina Latif, é longa: aposentadoria integral de servidor público; contribuição compulsória sobre a folha para o sistema S; grupos isentos de pagar IR; excessos da Bolsa Ditadura; excessos da Lei Rouanet; regimes tributários especiais de PIS, Cofins, ICMS, Simples e lucro presumido; empréstimos subsidiados; Zona Franca de Manaus; direito irrestrito de greve de servidor público; benefícios aos Estados do Centro-Oeste, apesar de a sua renda per capita ser equivalente à de Minas Gerais; etc.
Recentemente aprovou-se lei que isenta idosos de pagar estacionamento em shoppings e tramita projeto para isentar agentes penitenciários de pagar IR.
Viva o país da meia-entrada!
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 20/08/2017
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