Quando Pedro Camargo, então professor de química na Universidade de São Paulo, nos anunciou que recebera um convite para assumir uma posição na Universidade de Helsinque, na Finlândia, sentimos um misto de orgulho e tristeza. Orgulho pelo reconhecimento internacional e a possibilidade de expansão da carreira de um de nossos cientistas de destaque, e tristeza, pois de certo modo o Brasil perderia um talento.
Isso aconteceu no começo de 2018. Nos últimos meses, no entanto, conversas sobre deixar o País se tornaram cada vez mais recorrentes. Outros quatro cientistas apoiados pelo Serrapilheira, instituto privado de fomento à ciência e divulgação científica no Brasil, resolveram fazer ciência no exterior em 2021.
Cecília Salgado, professora de matemática na UFRJ, mudou-se com a família para a Holanda em fevereiro de 2021, para trabalhar na Universidade de Groningen. Leandro Aolita assumiu uma posição no Instituto de Inovação Tecnológica de Abu Dhabi, onde segue suas pesquisas em informação quântica, iniciadas na UFRJ. A PUC do Rio de Janeiro perdeu dois de seus matemáticos: Matias Delgadino foi para a Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, e Edgard Pimentel para a Universidade de Coimbra, em Portugal.
“Sigo no mesmo lugar, por enquanto”, é o que nos respondem outros cientistas da nossa rede, se lhes pedimos a atualização cadastral de seus vínculos institucionais. Pelo menos outros cinco receberam propostas para assumir posições no exterior e não aceitaram.
Para nós, o “por enquanto” é um alerta. Sem ambiente favorável para continuar suas pesquisas, nossos jovens cientistas encontram em outros países o investimento e o estímulo que faltam aqui. Sempre curto, o orçamento de instituições públicas voltadas ao ensino e ao desenvolvimento científico e tecnológico foi reduzido a níveis impraticáveis para o exercício de uma ciência de qualidade.
Os sucessivos cortes financeiros nos programas destinados à educação, a desatualização dos valores de bolsas de estudo e o descaso com o desenvolvimento de pesquisas resultam em laboratórios parados e universidades que se esvaziam. Essas são as premissas da desconstrução de um país.
A formação de um pesquisador é cara, exigente e demorada. É também o melhor investimento de uma nação que se deseja rica de ideias, criativa, produtiva e dedicada a encontrar soluções científicas, tecnológicas, sociais e econômicas para a sua gente.
Do ponto de vista econômico, o investimento em ciência, assim como em tecnologia e inovação, por exemplo, ainda é essencial para trazer maior valor agregado para o modelo de desenvolvimento brasileiro, gerando não só riqueza a médio e longo prazos, como mais competitividade na comparação com outras economias ao redor do mundo.
Nosso instituto tem ano a ano descoberto talentos excepcionais em ciência e vem apostando em ideias radicais de pesquisa porque confia na capacidade inventiva dos autores de cada projeto que acolhe. Não queremos perder nem um porque acreditamos no futuro.
Nesses primeiros quatro anos de atuação, investimos mais de R$ 36 milhões em 124 cientistas que foram selecionados por meio de um processo altamente competitivo, liderado por revisores internacionais. Acompanhamos de perto o desenvolvimento de seus projetos e suas carreiras, impressiona o que alcançam mesmo em condições pouco favoráveis.
A cada cientista que se vai, todos os brasileiros perdem. Sem nossos cientistas, ficamos mais pobres, doentes, inseguros e tristes. Criar um ambiente favorável ao saber é urgente. A sombra do negacionismo não pode comprometer o nosso futuro.
Nem um a menos.
Fonte: “Estadão”, 23/06/2021
Foto: Fabio Motta