Li, com interesse e angústia, dois livros de ficção, ambos ambientados durante a Primeira Guerra Mundial: “Nada de Novo no Front”, de Erich Maria Remarque, e “Adeus às Armas”, do Hemingway. Nos dois, um cenário de intenso sofrimento é naturalizado pelos personagens, mas não pelos autores, que tentam mostrar ao mundo o horror da guerra. Não há como não se tornar pacifista depois de ler os dois livros.
As guerras são soluções buscadas por alguns chefes de governo para solucionar impasses na relação com outros países que lhes impuseram derrotas em conflitos anteriores ou dispõem de recursos por eles ambicionados.
Mas pode haver outra razão, tão forte quanto as anteriores: o desejo de tirar a população da frustração gerada por uma crise e, ao mesmo tempo, aparecer como um líder redentor, portador de uma utopia nacionalista de construção de uma grande e temida nação.
Não foram poucas as situações em que líderes usaram discursos nacionalistas e conduziram populações frustradas para um embate que pudesse reerguer a nação. Uma qualidade do “condottieri” era emulada pelos demais: a coragem. Coragem de contrariar a ordem instalada, de combater a falta de virilidade de instituições democráticas vistas como lentas e ineficazes, de iniciar uma guerra sem trégua contra outro povo, o bode expiatório “dos nossos males”.
Falo aqui de outra visão de coragem, como virtude importante no trato da coisa pública. Não se muda uma situação injusta ou se constrói uma política pública sem coragem para contrariar interesses encastelados. Não raras vezes, dirigentes com bom diagnóstico deixam de agir por temor de grupos contrários a um projeto extremamente necessário.
Para ter resultados, porém, a coragem deve ser temperada por outra virtude, a prudência, que se traduz, neste caso, por saber ouvir, avaliar os impactos de cada ação e dialogar. Ela funciona quando a serviço de uma teoria de mudança bem desenhada e implantada com o cuidado e determinação de quem dialoga, mas define claramente aquilo que não pode ser negociado, sob pena de inviabilizar a transformação desejada.
Em educação, o Pisa revelou uma grande injustiça: os jovens brasileiros estão nas escolas, mas não aprendem. Pior, aprendem mal e de forma desigual. Não podemos aceitar essa situação, e há que haver coragem para enfrentar os múltiplos interesses que não querem que isso mude. Mas há que se construir, com prudência e escuta, um projeto consistente de transformação. E isso inclui definir o que não pode ser negociado. Para mim, trata-se da equidade. Educação de qualidade deve ser para todos, especialmente para os mais vulneráveis.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 3 de fevereiro de 2017.
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