A confirmação de 106 mortes e cerca de 3 mil casos de infecção por coronavírus acendeu o alerta do mercado a respeito dos impactos da doença para a economia chinesa e, consequentemente, a global.
Ainda não há estimativas oficiais, mas analistas projetam que a segunda maior economia do mundo pode sofrer uma desaceleração em seu crescimento na linha de 0,5 ponto percentual neste ano.
E há dúvidas sobre que medidas a China pode adotar para reverter esta situação.
Em 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) chinês cresceu 6,1%, segundo dados oficiais. As projeções para este ano são de 6%.
Roberto Dumas, professor de Economia Chinesa do Insper, relembra que, diferentemente do período de 2003, quando o país enfrentou um surto de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), agora a China não exporta tanto como antes.
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– A situação da economia da China mudou bastante. Em 2003, as exportações do país cresceram 35%. Em 2019, o avanço foi de 0,5%. Na época da Sars, a China estava alavancada em 160% do PIB. Atualmente, esse percentual ronda os 300%. Além disso, com as medidas para fechar regiões que são centros de coronavírus, o consumo das pessoas também tende a ser afetado. A China está em uma situação bastante complicada. Por fim, o acordo comercial “fase 1” (com os EUA) também pode afetar o país.
Segundo Dumas, o problema é que a China se comprometeu a fazer compras adicionais de US$ 200 bilhões em produtos americanos. E, com as medidas tomadas para conter a disseminação do coronavírus, como prorrogação do feriado e proibição de viagens, há risco de desaceleração e redução do consumo:
– Na atual situação, como a China pode fazer uma compra tão grande como essa? O cenário é delicado, com risco de desaceleração e menor consumo. Além disso, uma possível tensão que pode pairar sobre os mercados é a atitude do presidente Donald Trump, caso seja reeleito, junto aos chineses, se eles não conseguirem cumprir com o acordo – explica o professor do Insper.
Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, avalia que a economia chinesa e a global sofrerão impacto negativo com a disseminação do coronavírus, mas ainda é cedo para dimensionar as perdas, porque a crise ainda está no começo.
– Embora o país ainda esteja no feriado do Ano Novo Lunar, as pessoas na China vão começar a perder dias de trabalho, as pessoas deixam de consumir porque não podem ir a restaurantes, cinemas. O transporte para, assim como o turismo. A esperança é que esse fenômeno seja passageiro. Mas já existem especulações dizendo que mais de 100 mil pessoas estariam infectadas — afirma Ramos.
Não é só a economia da China que será afetada. A decisão de Pequim de proibir excursões de chineses ao exterior para tentar conter a expansão do coronavírus pode afetar significativamente o turismo mundial, começando com alguns países asiáticos que dependem principalmente dos visitantes chineses.
Impactos no Brasil
No caso do Brasil, Lucas Tambellini, estrategista do Itaú BBA, avalia que as fortes quedas nos principais indicadores globais observadas na segunda-feira estão atreladas aos recentes ganhos e renovação de recordes históricos de alguns setores listados em Bolsa.
— Nos últimos meses, o fluxo de notícias era muito positivo. Aprovação da reforma da Previdência, acordo comercial no exterior, tudo isso contribuiu para fortes ganhos dos mercados. Agora, em meio à tensão do coronavírus, os investidores buscam embolsar lucros para tentar mitigar possíveis riscos da doença na economia como um todo — diz Tambellini.
O estrategista do Itaú avalia que, por ora, também é cedo traçar cenários de quanto o mercado brasileiro pode perder:
— Por enquanto, nesta semana, na qual os mercados asiáticos estão fechados, a tendência é de monitoramento da doença e avaliação de possíveis riscos. Ainda é cedo para dizer, de fato, como o Brasil vai ser impactado pela tensão do coronavírus. Porém, caso a situação fique mais grave, o impacto na economia local pode ser mais significativo e duradouro.
Dumas projeta que o principal impacto para o mercado brasileiro será uma possível redução no canal de escoamento de nossos produtos, principalmente as commodities:
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— A relação é de oferta e demanda. A China é nosso principal parceiro comercial, que mais compra os nossos produtos. Com a economia menos aquecida, a população consumindo menos e a obrigação de compra junto aos americanos, para quem vamos vender nossos produtos? As commodities brasileiras são os produtos que mais podem ser afetados em meio a este atual cenário global.
Um estudo da ONU chamado A World At Risk (Um mundo em risco), divulgado no ano passado, aponta que epidemias e pandemias têm impacto negativo no fluxo de comércio internacional e no turismo, além do prejuízo com as mortes causadas. Esses dois setores representam 18% da economia global.
Ramos, do Goldman Sachs, acredita que também é cedo para saber se as Bolsas continuarão a cair ou se o câmbio permanecerá em um patamar mais elevado:
— Há muita volatilidade agora. É preciso observar se esse movimento no câmbio e nas Bolsas vai durar mais tempo antes de se tomar decisões de política macroeconômica, como fazer um ajuste nos juros. Ninguém sabe ainda em que nível os ativos vão ancorar — explicou.
Fonte: “O Globo”