A área do Porto de Santos conhecida como “Corredor de Exportação”, na Ponta da Praia, que opera granéis vegetais sólidos, foi inaugurada em 1973, durante o Regime Militar, época em que a cidade estava sob intervenção federal.
Nesse contexto, a legislação municipal de uso e ocupação de solo, vigente desde 1968, que previa restrições para esse tipo de uso, pela proximidade de zonas residenciais, não foi considerada. Tampouco certas questões logísticas, pois o terminal fora situado no ponto da margem direita mais distante dos acessos terrestres ao porto, e sem espaço para implantação “pêra” ferroviária.
O tempo passou… A CDS “passou o bastão” para a Codesp… A Portobras centralizou as definições e decisões do sistema portuário nacional… Santos recuperou a sua autonomia política e administrativa, em 1985… A Lei 8.630/93 criou os Conselhos de Autoridade Portuária, descentralizando o sistema portuário brasileiro, dando protagonismo a todos os atores envolvidos, inclusive as cidades… E o “Corredor de Exportação” permaneceu, agora arrendado, com os mesmos equipamentos da época de sua inauguração.
A Ponta da Praia, que já era um dos bairros mais populosos de Santos, residencial e turístico, com alta concentração de escolas e equipamentos públicos, recebeu inúmeros empreendimentos imobiliários, por ainda dispor de terrenos não edificados.
As reclamações da população local sobre a operação de granéis aumentaram progressivamente, até se transformarem no maior conflito na relação cidade-porto.
Poeira, odores desagradáveis, resíduos em vias públicas, congestionamentos, “buzinaços” e “apitaços” diuturnos, além de ratos e pombos, passaram a fazer parte do cotidiano também de bairros mais distantes, como: Aparecida, Embaré e Boqueirão.
O Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos, de 2006, já previa a transferência da operação de granéis para locais de menor impacto urbano. A Prefeitura de Santos, em 2011, atualizou suas leis de uso e ocupação de solo, prevendo áreas para expansão de atividades portuárias e retroportuárias na área continental. Em 2009, o Plano de Desenvolvimento e Expansão do Porto de Santos elaborado pela Universidade Federal de Santa Catarina para a Secretaria de Portos da Presidência da República – SEP/PR reiterou a proposta de transferência dessa operação para a margem esquerda do porto. A atualização desse plano, em 2012, ratificou essa recomendação e, nesse mesmo ano, os Planos Mestres do Plano Nacional de Logística Portuária a re-ratificaram, em função da previsão de entrada em operação do terminal da VLi – Vale Logística Integrada, na área continental de Santos.
No entanto, a promulgação da Lei 12.815/2013 centralizou novamente as decisões do sistema portuário brasileiro em Brasília e, na sequência, foi anunciado o Primeiro Bloco de Arrendamentos, que incluiu três lotes do Porto de Santos, todos na área insular do município, prevendo a continuidade da operação de grãos na Ponta da Praia; incremento de fertilizantes em Outeirinhos; e terminal para celulose, em Paquetá.
Essas propostas foram feitas sem consulta ao município, contrariando o “Estatuto da Cidade” e a própria lei 12.815/2013.
A prefeitura questionou a proposta, alegando que ela, além de contrariar os estudos de expansão disponíveis, também potencializava novos conflitos porto-cidade (fertilizantes em Outeirinhos) e poderiam comprometer o Programa Porto Valongo Santos, histórica parceria entre Codesp e PMS, com interveniência da SEP/PR.
O governo federal alegou que o novo arrendamento da Ponta da Praia implicaria na implantação de novos e modernos equipamentos, obedientes às normas ambientais, e não deu sinais de que alteraria seu intento.
A modernização dos equipamentos seria um fator positivo, porém, além de contrariar os estudos contratados pela própria SEP/PR, não há garantia de eficiência na fiscalização, como não foi até a presente data, limitando-se à aplicação de multas; ou que o transporte ferroviário, concessão da União, atenda à totalidade da demanda, reduzindo o afluxo de caminhões, lembrando que o “Corredor de Exportação” não dispõe de “pêra”.
Tampouco pode assegurar que a poeira gerada na “boca do porão”, nas operações de embarque, seja eliminada. Isso, sem considerar que 95% dos caminhões que transportam grãos o fazem em carrocerias inadequadas que, somados a vagões com problemas similares, continuarão a despejar produtos pelo sistema viário urbano e portuário, resíduos que geram odores desagradáveis, inclusive na área do Terminal de Passageiros do Porto de Santos.
E por falar no Terminal de Passageiros do Porto de Santos, sua localização, ao lado de terminais de granéis, além de questões logísticas e estéticas, apresentam limitações que, até a presente data, não foram adequadamente equacionadas, além do fato de sua operação implicar na interrupção de outras operações portuárias e, por vezes, em impacto no sistema viário urbano, e do terminal ficar ocioso fora da temporada de cruzeiros.
A conjunção desses fatores acaba por prejudicar a imagem turística da cidade, pois os usuários praticamente só têm visão de áreas operacionais do porto. De outra parte, o município também fica privado de um equipamento que poderia ser utilizado para eventos, suprindo outra demanda da cidade.
Como o governo federal manteve a tramitação do Primeiro Bloco de Arrendamentos, sem dar mostras de que reconsideraria sua posição, a PMS, no exercício de suas prerrogativas constitucionais, tornou a operação de granéis uso desconforme na ZPII, zona portuária que inclui o “Corredor de Exportação”, através da Lei Complementar nº 813/2013.
Em função disso, o Tribunal de Contas da União, em seção extraordinária, realizada em 10/12/2013, condicionou a publicação dos respectivos editais à realização de alterações, em decorrência dessa lei municipal.
As crises são “solo fértil” para oportunidades que, no caso, permitem o retorno à racionalidade dos planos de expansão, além de novas possibilidades, que podem conciliar interesses de todos os atores envolvidos, com vantagens mútuas.
A PMS antes de promulgar a nova legislação, já havia sugerido ao governo federal alternativas para transferência das operações de grãos do “Corredor de Exportação”. Sugestões convergentes com o PDEPS atualizado e PNLP. Terminais existentes podem absorvê-las em curto prazo. O novo terminal da VLi e a construção de outros, na área continental, atenderiam à demanda futura.
Também é importante frisar que a entrada em operação dos dois novos terminais de contêineres suprirá a demanda desse tipo de operação por vários anos.
Ora, a maioria dos arrendamentos da área do “Corredor de Exportação” termina até 2017, enquanto o contrato do terminal de cruzeiros marítimos expira em 2018.
Porque não transferir o terminal de cruzeiros para a Ponta da Praia?
Essa solução permitiria a construção de um terminal comparável aos melhores do mundo, dotado de infraestrutura adequada, shopping center, espaço para eventos e estacionamento, que poderiam ser utilizados continuamente, aumentando a rentabilidade do empreendimento, numa área próxima de vários equipamentos turísticos, o que melhoraria a imagem da cidade perante os turistas.
Em conjunto com o terminal de cruzeiros previsto no Programa Porto Valongo Santos, no Centro Histórico, Santos teria dois equipamentos de padrão internacional, à altura do título de “Capital Brasileira dos Cruzeiros Marítimos”.
E quanto à área do atual terminal de cruzeiros?
Ela pode ser destinada à operação de cargas “amigáveis”, como celulose, o que eliminaria possíveis conflitos que a instalação desse tipo de atividade poderia ocasionar, se fosse implantada no Paquetá, como prevê o Primeiro Bloco de Arrendamentos. Ou poderia abrigar uma base de apoio offshore, outra demanda do Porto de Santos, em função da exploração de petróleo e gás na Bacia de Santos. Ou, ainda, uma área para embarque de cargas de projeto, como pás eólicas, por exemplo.
Assim, existem alternativas, os prazos são compatíveis e o cenário é favorável à solução de antigos e importantes conflitos na relação cidade-porto, além de propiciar condições ideais para a expansão racional, ambiental e socialmente sustentável do maior porto da América Latina.
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