Uma falácia lógica muito comum é assumir que dois eventos que ocorrem em sequência cronológica estão necessariamente interligados através de uma relação de causa e efeito. O galo canta antes do nascer do sol, mas este não nasce porque o galo canta. Infelizmente, a arte de manipular dados vem ganhando cada vez mais terreno, com efeitos nefastos para a sociedade. A estatística não pode ser a “refinada técnica de torturar os números até que eles confessem”.
Tomemos como exemplo a taxa de crescimento econômico nacional.
Muitos, numa análise simplista, chegam à conclusão de que o governo Lula causou o crescimento acelerado dos últimos anos, sem levar em conta as inúmeras e complexas variáveis que influenciam tal crescimento, como, por exemplo, o contexto mundial. Crescer 4% ao ano enquanto os demais países emergentes crescem 6% ou mais não é um desempenho tão louvável assim.
Se o preço das commodities que exportamos subiu, se houve uma abundância de capital no mundo, se a taxa de juros permaneceu artificialmente reduzida nos países desenvolvidos, nada disso faz parte desse julgamento superficial. Basta verificar o crescimento econômico e atribuí-lo à gestão atual, como se o mérito fosse do governo.
Não é assim que se faz uma análise séria. E quando colocamos uma lupa nos dados, com o auxílio de uma sólida teoria econômica, o que emerge pode ser oposto à intuição inicial. O governo Lula contou com muita sorte durante seu mandato, onde fatores externos, como o crescimento chinês, favoreceram bastante o país.
Seu maior mérito foi não ter feito aventuras na macroeconomia. Já as reformas estruturais que poderiam ter colocado o Brasil na rota do crescimento sustentável foram todas deixadas de lado. Aquilo que o governo chama de medidas “anticíclicas” contra a crise não passa de estímulos insustentáveis à demanda agregada. Inchar os gastos públicos de forma permanente e expandir o crédito através dos bancos estatais não é receita de crescimento sustentável. Faltam investimentos produtivos e reformas estruturais, e os gargalos de sempre poderão limitar o crescimento a mais um voo de galinha. O longo prazo foi sacrificado em prol do foco imediatista eleitoreiro.
O economista francês do século XIX, Frédéric Bastiat, chamou a atenção para aquilo que se vê, e aquilo que não se vê. Um bom economista deveria ser capaz de enxergar um horizonte distante, evitando as armadilhas da miopia. Somente assim ele poderia compreender o custo de oportunidade das medidas econômicas.
Se o governo anuncia um programa de gastos através da impressão de moeda, ele deve alertar para a inflação à frente. Se o governo aumenta os repasses para famílias mais pobres, ele deve considerar o aumento dos impostos, que retira da iniciativa privada recursos que poderiam estar gerando novos empregos. Se o governo aumenta o salário mínimo, ele deve projetar seu impacto negativo no nível de emprego formal. Enfim, analisar as medidas do governo somente com base em seus efeitos imediatos é um perigoso equívoco.
A pergunta que todos deveriam fazer é: qual a alternativa? Se o governo não retirasse do setor privado determinado recurso, como este seria aplicado? Se o governo tivesse feito as reformas estruturais, qual teria sido o crescimento no período? Não basta comparar taxas de crescimento entre governos. Correlação não é causalidade. O sol não brilhou mais forte no Brasil porque o galo cantou mais alto; o galo é que está cantando mais alto porque o sol começou a brilhar mais.
(O Globo – 05/01/2010)
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