Na década de 1990, tive experiência profissional no exterior que me ensinou muito sobre o Brasil. Naquele período, de grande instabilidade, a tensão era maior às sextas, o dia mais comum para o anúncio de medidas econômicas – os famosos pacotes.
Apesar de toda as especulações, análises e frenesi, pouca coisa de fato mudava na economia, que seguia guiada por fundamentos precários não atingidos pelos movimentos de curto prazo – como os navegadores portugueses, que, apesar das ondas na superfície, se guiavam pelas correntes profundas.
Depois dessa temporada no exterior, e dos diversos momentos frenéticos do período, voltei e encontrei a economia brasileira praticamente da mesma forma de quando saí.
Esses pensamentos me voltaram depois do anúncio dos cortes no Orçamento e o barulho criado em torno dele. O debate econômico chegou a ser conduzido pela análise facial do ministro da Fazenda, se sua tosse numa entrevista dias depois era prova da gripe que o teria tirado do anúncio, se a relação de forças na equipe econômica estava mudando, se o ministro estava de saída.
Apesar de toda essa discussão, ela pouco revela sobre a evolução do ajuste. Na realidade, quase nada mudou em relação ao que acontecia antes do polêmico anúncio. Desde o início, estava claro que havia duas linhas de pensamento no governo – uma na Fazenda, outra no Planejamento. Essa pluralidade já aconteceu muitas vezes e não foi impedimento para o sucesso de políticas econômicas.
[su_quote]Para retomar taxas mais altas, será preciso enfrentar questões mais profundas, como o tamanho do Estado, a carga tributária, a burocracia, o ambiente precário de negócios[/su_quote]
Na corrente mais profunda que conduz a economia, o ajuste econômico prossegue. É um ajuste que tem problemas, mas não os especulados na semana passada. Começa a ficar claro que o ajuste tem componente muito forte de aumento de receitas, e isso acentua problemas estruturais da economia brasileira, como a complexidade fiscal e a pesada carga tributária, prejudiciais ao crescimento de longo prazo.
Neste momento, no entanto, o fundamental é assegurar a solvência das contas públicas. O ajuste não é o que deveria ser, mas, se corretamente implementado, deve permitir ao Brasil voltar a crescer a taxas modestas nos próximos anos. Para retomar taxas mais altas, será preciso enfrentar questões mais profundas, como o tamanho do Estado, a carga tributária, a burocracia, o ambiente precário de negócios. Há, porém, soluções que podem dar respostas mais rápidas e estimular o crescimento, como o investimento em infraestrutura com regras corretas e não intervencionistas.
Devemos, portanto, nos concentrar mais nas correntes profundas da economia, como a inflexão da política econômica em relação aos quatro anos anteriores, que segue seu curso. Em resumo, está tudo como dantes no quartel de Abrantes.
Fonte: Folha de S. Paulo, 31/5/2015
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