O PT pariu enfim seu candidato real. A partir de ontem, encerrou-se a fantasia de insistir no nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da SIlva. O candidato oficial é o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad. A pergunta óbvia é: dá tempo, em menos de quatro semanas, para Haddad crescer e herdar os votos de Lula?
A resposta, infelizmente, nada tem de óbvia. É preciso ler as pesquisas de modo crítico para avaliar. Quem olha os últimos resultados de Ibope e Datafolha tem a impressão de uma confusão no segundo lugar. Os institutos falam em quatro candidatos “tecnicamente empatados”.
Como toda pesquisa tem margem de erro, essa expressão foi criada para qualificar aqueles cujo patamar verdadeiro de votos pode ser idêntico, se levada em conta a variação dentro dessa margem. Tem sentido apenas jornalístico, não estatístico. A probabilidade de que haja mesmo empate entre candidatos a dois pontos de distância é ínfima.
No Brasil, os institutos também evitam divulgar a margem real de erro dos resultados. Estatisticamente, ela varia segundo o valor apurado, o tamanho da amostra e a técnica usada para ponderar os resultados, conhecida como “estratificação”.
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Os institutos divulgam apenas a margem máxima, em geral de dois a três pontos percentuais, e o nível de confiança de que os resultados reflitam a realidade, normalmente 95%. Fazem isso em parte por excesso de zelo, em parte para facilitar a interpretação dos números pelo público, mais afeito a resultados de futebol que a conceitos matemáticos que lidam com risco e incerteza.
Na Europa, é comum a divulgação de margens de acordo com o tamanho da amostra e o resultado obtido. Para uma amostra de 2.800 eleitores como a adotada pelo Datafolha, no patamar de 10%, verificado para quatro dos candidatos, elas costumam ser da ordem de 1,2%. Para um valor em torno de 20%, como o registrado por Bolsonaro, de 1,5%.
Em tese, isso significaria que Ciro Gomes está mais bem situado no segundo lugar que os demais, Marina Silva, Geraldo Alckmin e o próprio Haddad. Ele poderá representar um desafio maior para Haddad do que a expressão “empate técnico” dá a entender, sobretudo se levarmos em conta que a maior distribuição de seus votos se dá nos bastiões eleitorais petistas, como o Nordeste.
Mas essa também seria uma leitura simplista. É um erro levar em conta apenas uma pesquisa para medir o desempenho de um candidato. As médias entre vários institutos costumam refletir a realidade de modo mais fiel. Pelo menos três sites brasileiros – Jota, PollingData e Poder360 – oferecem agregadores que calculam médias.
O PollingData, mantido pelo estatístico Neale El-Dash, estima ainda o intervalo em que a preferência do eleitor se situa para cada candidato. Para Ciro, a previsão está hoje entre 9% e 14%. Para Haddad, entre 7% e 11%. Para Alckmin, também entre 7% e 11%. Para Marina, entre 6% e 12%. Mesmo levando em conta a incerteza nesses intervalos, Ciro está ligeiramente à frente dos demais candidatos, para os quais a realidade parece refletir mesmo um empate.
Além do intervalo, o PollingData calcula o viés de cada instituto. Viés é um conceito estatístico que avalia desvios sistemáticos em relação à média. Não se trata necessariamente de manipulação dos números. Pode ser um resultado intrínseco ao método na coleta de dados.
Quando um candidato tem preferência maior entre eleitores que usam telefone, será favorecido por uma pesquisa telefônica. Quando pontua melhor entre quem usa transporte público, se sairá bem nas sondagens à porta do metrô. E assim por diante.
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Na maior parte dos casos, o viés está abaixo da margem de erro, tanto para Ibope quanto para Datafolha. A exceção é Marina, que registra 1,9 pontos de viés favorável no Datafolha. Isso é levado em conta pelo modelo que calcula a média, assim como a data em que a pesquisa foi feita (quanto mais distante, menos deve ser levada em conta).
É preciso considerar, enfim, dois outros fatores. Primeiro, que o cenário é dinâmico. Pesquisas são uma fotografia do momento, não uma previsão para o resultado das urnas. É possível fazer previsões com base nelas, usando modelos estatísticos. Mas essa é uma técnica pouco difundida e testada no Brasil. A eleição atual já esteve sujeita a tantas turbulências e incertezas que desafia qualquer modelo.
O segundo fator é que o cálculo eleitoral definitivo é feito pensando numa disputa em dois turnos. Só agora, com a definição da candidatura petista, o eleitor passará enfim a ser apresentado aos resultados possíveis do confronto final e poderá levá-lo em conta na escolha do candidato. Só agora começa a entrar no jogo o mecanismo tradicional do “voto útil”, tanto contra Haddad como contra o líder, Jair Bolsonaro.
Os resultados de Ibope e Datafolha divulgados nesta semana parecem antagônicos para o segundo turno. Levando em conta todos os confrontos de Bolsonaro contra os quatro adversários possíveis, o Datafolha apresenta na média uma diferença de sete pontos desfavorável a Bolsonaro.
Como as pesquisas foram realizadas em datas diferentes (o Ibope dos dias 8 a 10; o Datafolha no dia 10), é possível que o choque do atentado contra Bolsonaro tenha interferido nelas de modo distinto. Ou que a pesquisa Datafolha configure um ponto estranho na série de levantamentos, situação conhecida tecnicamente como “outlier”.
Na média mantida pelo PollingData, Bolsonaro hoje perderia de Marina (por 41% a 36%), Alckmin (40% a 33%) e Ciro (43% a 34%). Sua chance é maior contra Haddad, com quem empata em 38%, mas tem ligeira probabilidade de vitória, 52% de acordo com o modelo do PollingData. Haddad, por seu turno, perde de Alckmin (40% a 29%) e ainda não há dados suficientes para avaliar seu confronto contra Ciro ou Marina.
Fez parte da estratégia do PT, como já argumentei aqui, adiar a definição do nome de Haddad o máximo possível para evitar a cristalização do voto antipetista em outro candidato que não Bolsonaro, rival preferido do partido na segunda rodada, por ser aquele contra quem Haddad teria mais chance. Aparentemente, essa parte da estratégia deu certo, pois o voto em Bolsonaro consolidou-o no primeiro lugar, com a maior rejeição entre todos os candidatos.
Mas o preço será a corrida contra Ciro, Alckmin e Marina para garantir a presença de Haddad no segundo turno. Fora o avanço de Ciro no Nordeste, o PT terá de lidar com a investida de Alckmin e Bolsonaro sobre a população de menor renda e escolaridade, eleitorado cativo do partido nas últimas eleições. Não será trivial.
Fonte: “G1”, 12/09/2018