Caixa dois e presentes se encontram na raiz do baixo crescimento
Corrupção é um problema central para entender o mau desempenho econômico do Brasil, mas não da maneira como geralmente aparece no discurso popular. Não é raro receber e-mails ou perguntas no blog sobre o impacto fiscal da roubalheira generalizada que tem assolado o país. Como regra, os interlocutores saem desapontados com as respostas.
A pilhagem associada às atividades investigadas pela Lava Jato, por exemplo, é estimada na casa de R$ 43 bilhões, grana para lá de razoável, mas que empalidece diante do montante do gasto público do governo federal em 2017: R$ 1,3 trilhão. Ao longo de muitos anos roubaram-se pouco mais de 3% do que o governo federal gastará apenas neste ano.
É uma ilusão, portanto, achar que o combate à corrupção resolverá a questão do gasto público, mas isso não o torna menos importante.
A corrupção tem um efeito corrosivo na capacidade de crescimento do país e está profundamente ligada à enorme presença do Estado na economia.
Há essencialmente duas formas de ganhar dinheiro: uma, virtuosa, envolve a atividade inovadora. Novos produtos, novos processos, novos mercados geram enormes lucros para empreendedores e ao mesmo tempo modificam o entorno econômico e social de maneira radical.
No processo, a produtividade aumenta, e, com ela, o padrão de vida da população: entre 1820 e 2010, por exemplo, estima-se que a renda per capita global tenha aumentado dez vezes, de US$ 712 para US$ 7.814 (a preços de 1990). O aumento de produtividade explica a maior parte desse fenômeno.
A alternativa envolve tomar dinheiro alheio, nem sempre por meios ilegais. Monopólios (ou oligopólios) criados artificialmente; barreiras à competição, seja local, seja internacional; subsídios, explícitos ou não, são algumas das práticas que permitem a segmentos politicamente conectados também remodelar o entorno econômico para capturar essa renda, sem, contudo, produzir a aceleração da produtividade que permite o aumento persistente do bem-estar.
A corrupção está intimamente entrelaçada às atividades acima descritas. O acesso a elas tipicamente passa pelo poder público e, portanto, quem quiser esse acesso terá de pagar a quem estiver no controle do aparato governamental naquele momento (ou com perspectivas de tomar o controle desse aparato mais à frente).
Também não é preciso muito para concluir que países em que o setor público interfere de maneira mais frequente e intensa no domínio econômico oferecem mais oportunidades para ganhos ligados a práticas de captura da renda da sociedade e, portanto, mais corrupção.
Assim, quanto mais discricionária for a política econômica, privilegiando alguns setores sobre os demais, tanto maior será a roubalheira. O efeito colateral desse arranjo é o crescimento medíocre da produtividade e, portanto, do bem-estar. Ao contrário do que proclamou Eugênio de Aragão, ex-ministro da Justiça (ainda bem!), corrupção não é “graxa na engrenagem da máquina”; é só areia!
Caixa dois e presentes fazem certamente parte dos nossos “usos e costumes”. Nem por isso, porém, devem ser tolerados, pois se encontram na raiz do baixo crescimento. Reclamar do câmbio e pedir anistia à corrupção pode ajudar os que vicejam nesse arranjo perverso, mas, com certeza, não há de nos colocar na rota do crescimento acelerado.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 26/04/2017.
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