A corrupção existe há muito tempo. Talvez o primeiro corrupto tenha sido Judas, que, em troca de algumas moedas, entregou Jesus aos romanos. Todos sabem o fim de Judas que, não custa lembrar, suicidou-se e não virou santo, pois santo foi Judas Tadeu. Há quem diga que a corrupção não acabará, pois ela deriva da cobiça, um dos sete pecados capitais que rondam a mente de todos os homens. A Bíblia nos fala de tudo isso. Mas, porque começar este texto falando de religião?
Porque, como disse Fernando Sávater, se a religião persegue algo melhor que a vida, a moral persegue uma vida melhor, e é a moral que nos traz ao tema da corrupção e, mais precisamente, a um novo olhar sobre o julgamento do Mensalão.
Desde que o julgamento começou, os advogados dos réus não pouparam esforços em argumentar que o direito de ampla defesa de seus clientes estava sendo solapado pelo Tribunal, seja porque foram impedidos de usar Powerpoint (!) seja porque não se submeteriam a duplo grau de jurisdição (decisão de um juiz, revisada por três, seria, portanto, melhor do que decisão de onze juízes…).
Isso é reflexo do Iluminismo, que, focado nos direitos dos indivíduos, transformou o pensamento ocidental que, desde os gregos e romanos, passando pelo Cristianismo, era focado nos deveres dos cidadãos. De acordo com o pensamento clássico, o ser humano era naturalmente inclinado para o mal (o pecado capital) e, portanto, tinha que ser educado para conter seus comportamentos que fizessem aflorar essa inclinação, o que se dava pela formação sobre valores e deveres para com os outros e a sociedade.
Um excelente livro sobre o tema é “The Geography of Good and Evil: philosophical investigations” do professor Andreas Kinneging, da Universidade de Leiden, na Holanda. Nesse instigante livro, Kinneging nos dá conta que aqueles que focam em seus direitos vêem o mundo de uma perspectiva distinta de todos aqueles que focam a partir de seus deveres, pois se, sob o prisma da ética dos deveres, somos levados a refletir sobre os direitos dos outros, na perspectiva da ética dos direitos, somos levados a refletir sobre os deveres dos outros.
É isso que vemos no Mensalão, onde os agentes públicos jamais julgaram quais eram seus deveres para com a sociedade, mas não se esquecem de apontar os deveres da sociedade ao julgá-los. A resistência da classe política à Lei da Ficha Limpa também tem a mesma sintonia de pensamento, focado no direito de ser eleito ou nomeado para gerir o dinheiro público, mesmo com evidências de má gestão passada.
Estou convencido que o combate à corrupção será bem sucedido quando o pensamento pertinente à gestão de recursos públicos der primazia aos deveres dos gestores. Também não posso deixar de pensar se não deveríamos adotar, na gestão do Erário, o Princípio da Precaução tão usado para limitar a ação do homem em outra seara de interesse público: o meio ambiente.
O princípio, adotado na Rio 92, é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano. Transpondo, ‘se não temos certeza jurídica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível ao Erário requer a implementação de medidas que possam prever este dano, ou seja, o bloqueio do acesso do indivíduo à gestão de recurso público’. Seria um bom começo.
Para encerrar, não deixa de ser curioso que o Ministro Lewandowski, revisor do Mensalão, quando relator da Súmula Vinculante 13, que tratou do nepotismo, tenha mencionado em seu voto que ‘violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer’.
Podia se aplicar à Ação Penal 470.
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