A primeira imagem que vem à cabeça da população quando se fala de corrupção nas obras é um construtor oferecendo a um funcionário público uma mala preta cheia de dinheiro em troca de favorecimento numa licitação iminente. Esta, no entanto, é apenas uma das inúmeras maneiras pelas quais o câncer da corrupção se instala no setor da construção civil. Existe corrupção nas fases prévias à licitação, durante o certame licitatório e durante a execução das obras.
Nas idades iniciais de um empreendimento a corrupção se manifesta na vil oferta descrita acima, que pode ser visualizada também com os dois personagens trocando de lugar na iniciativa delitiva, um achacando o outro. A rigor, também é uma má conduta a prática reiterada de licitar obras com projetos de baixíssimo grau de detalhamento, com o fito de deflagar mil e uma alterações de escopo posteriores. Durante a obra, o rol de formas que o monstro da corrupção assume é enorme. Pavimentar com 6,95 m uma estrada projetada para ter 7 m de largura é uma dessas formas. Embora a paga não se dê pela prosaica entrega da mala preta, a devastação não é menor.
Mas a corrupção não fica só na relação entre fiscal e construtor. Ela também se insinua nas relações entre construtor e subempreiteiros, como na cobrança de “facilidades”, na medição de serviços não feitos (ou feitos e medidos a menor), na retenção indevida de recursos e no pagamento de faturas com deliberado atraso. E não é só. A onipresente corrupção adentra as relações laborais também. A proliferação de atestados médicos fajutos e mentirosos é uma prática corriqueira nas obras, e isso também é, sim, uma forma de corrupção, se entendermos por essa palavra por sua acepção dicionarizada de “depravação, desmoralização, devassidão”.
Em empreendimentos de construção civil, a corrupção, incluindo suborno, extorsão e fraude, traz como resultados negativos a ocorrência de obras desnecessárias, pouco confiáveis, perigosas, desnecessariamente caras e de custosa manutenção ulterior. Ela macula a transparência dos negócios, gerando desconfiança no processo licitatório e ensejando desperdícios, desvios de conduta e sangria de recursos que poderiam ter uma aplicação muito mais salutar e útil para a coletividade.
Um estudo da Transparência Internacional (TI) mostra que, de 19 setores econômicos pesquisados, a construção civil desponta como o mais propenso a corrupção. A razão por essa concentração de condutas desleais na construção decorre do fato de haver contratos longos, de alto valor, com longa cadeia de suprimento, existência de serviços cujas quantidades reais são de difícil validação depois de executados, e com grande poder de decisão nas mãos de poucos agentes públicos.
A mesma TI defende que a corrupção na construção só poderá ser eliminada se todos os participantes envolvidos no empreendimento —contratantes, contratados e fornecedores — cooperarem no desenvolvimento e na implementação de efetivas ações anticorrupção.
Mas como fazê-lo? A primeira medida é conduzir um programa de avaliação dos riscos do negócio. Idealmente, toda empresa deveria ter um comitê de análise de riscos que mapeie e mensure a vulnerabilidade da empresa na participação de licitações, obtenção de licenças e inclusão em cadastros de fornecedores, negociação com intermediários indicados pelos gestores como consultores ou agentes, formação de cartel e relação com fornecedores, só para citar alguns aspectos desse abrangente mapa de riscos.
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A medida seguinte é estabelecer uma inequívoca política de intolerância à corrupção em qualquer escala. Pesquisas mostram que muitos dos pagamentos por debaixo do pano e benefícios concedidos a autoridades são reputados pelas empresas como uma prática normal de negócio e não como uma contravenção em si mesma. Ao contar com uma política formal, bem difundida entre funcionários, clientes e fornecedores, a empresa passa a contar com um espírito de transparência e decência que tende a se impregnar mais sólida e rapidamente em seu modus operandi.
O passo seguinte é fazer vigorar na empresa a comunicação a um setor específico (pode ser o de compliance) de todo e qualquer pagamento indevido, solicitação de propina, concessão de favores, entrega de brindes e indicação de consultorias e intermediários suspeitos. Considerando que a maioria esmagadora das ações de corrupção são decididas de forma pessoal, entre poucas pessoas e com alto grau de sigilo, a presente medida tem significativo caráter de instrumentalização das decisões. As ações que possam ensejar corrupção passam a ser tratadas institucionalmente e não mais pessoalmente, assim retirando o poder negocial centralizado em alguns poucos profissionais. Os efeitos positivos dessa orientação são visíveis nas empresas que a adotam. Relatos nos dão conta de que os prepostos da empresa e os agentes públicos sentem-se claramente desestimulados ao crime ao saberem que suas ações serão levadas a um setor específico para análise, deliberação e eventual denúncia pública.
Por fim, o método que ora recomendamos requer a multiplicação desses mecanismos de intimidação à corrupção por toda a cadeia de suprimento. Dar prioridade a fornecedores e parceiros que tenham controles similares é um bom caminho. É uma maneira de fazer o bom exemplo triunfar.
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