É como a história do pai ausente que tenta recuperar o amor do filho rebelde com a promessa de uma bicicleta nova, de um tablet último modelo ou de qualquer brinquedo capaz de conter a rebeldia do rebento. O sujeito até sabe que não cumprirá o que prometeu — mas no momento em que ficar claro que a boa intenção não passava de conversa fiada, jogará a culpa nas costas da mãe do garoto, que não aprovou tanta generosidade. Da primeira vez, a jogada funciona às mil maravilhas. Da segunda, o efeito já é mais discreto. Da terceira em diante, nada feito: menino já não se comove com uma promessa que, de antemão, sabe que não será cumprida. E nem adianta aumentar o valor do presente. Afinal, de que adianta prometer uma bicicleta para um menino que passou a infância esperando pelo velocípede? A imagem pode parecer — como de fato é — pueril. Mas serve para ilustrar a reação da sociedade diante das promessas de endurecer o jogo no combate à corrupção feitas pelo governo depois das manifestações que se alastraram pelo país na semana passada.
[su_quote]A prática recorrente da corrupção no Brasil não decorre da ausência de leis específicas e rigorosas para coibir o crime[/su_quote]
O Brasil é, provavelmente, o único país do mundo onde a pessoa flagrada com a mão no dinheiro público se defende dizendo que não errou sozinho: os outros também roubam. Portanto, além de insistir na tecla já gasta de que a corrupção não começou em seu governo (uma conversa que já não comove a mais ninguém), o remédio proposto pela presidente Dilma Rousseff para conter a corrupção foi o mesmo utilizado por seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, cerca de dez anos atrás. Depois do estouro do escândalo de corrupção nos Correios — a ponta do novelo que, mais tarde, levaria ao processo do Mensalão — Lula lançou, com toda pompa e circunstância (como se dizia antigamente), um pacote de leis para combater o hábito de passar a mão no dinheiro do povo. Foi exatamente o que fez Dilma na quarta-feira passada para tentar mostrar à sociedade, cada dia mais insatisfeita com o governo, que não compactua com esse tipo de falcatrua. Pois é… Todo mundo sabe que a prática recorrente da corrupção no Brasil não decorre da ausência de leis específicas e rigorosas para coibir o crime. Decorre, esta é a mais pura verdade, dos olhos fechados diante do delito e da falta de disposição em aplicar as leis existentes.
O problema da corrupção no Brasil é sério e precisa ser eliminado o quanto antes. A sociedade, que rejeita a prática, ficaria contente se, além de se referir a ela como uma “velha senhora”, como fez ao anunciar o seu pacote, Dilma realmente fizesse gestos concretos de combate à corrupção. Isso acontecerá no dia em que o governo não precisar esperar por uma denúncia da imprensa ou da oposição para estourar uma quadrilha de corruptos e mandá-la para a cadeia. Não deve ser difícil encontrar ladrões na Esplanada dos 40 ministérios nem na teia de estatais existentes no Brasil. Ou você acha que a Petrobras é um caso isolado?
Fonte: Hoje em dia, 22/03/2015.
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