Uma decisão do governo estadual vai deixar, segundo pesquisadores do Rio, a ciência fluminense na penúria pelos próximos doze meses. De acordo com o decreto 45.874, publicado no Diário Oficial em 29 de dezembro, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) terá seu orçamento reduzido em mais de 30%, com efeito retroativo a janeiro de 2016. Em cifras, quer dizer que o pagamento de bolsas e o investimento em ciência e inovação, que era de cerca de R$ 430 milhões, não ultrapassará a marca de R$ 300 milhões este ano. O diretor de pesquisas da Faperj, Jerson Lima Silva, estima que até 2 mil laboratórios podem ser fechados devido à falta de verbas.
— Nossa produção pode sofrer um retrocesso de até 20 anos — alerta Lima Silva, que também é professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ. — Se a situação não for revertida, aproximadamente 2 mil laboratórios podem parar. O Rio perderia força em áreas importantes, como nos estudos de enfermidades cardiovasculares, doenças neurodegenerativas e células-tronco. Os laboratórios fluminenses contribuem para 5% da pesquisa mundial sobre o vírus da zika, e há o risco de que esta atividade seja interrompida.
O cientista também teme uma queda no contingente de 16.686 doutores. Para ele, os mais novos trocariam o estado fluminense por São Paulo, onde há mais recursos, ou procurariam vagas no exterior, e os mais velhos podem antecipar a aposentadoria. Segundo o pesquisador, alguns grupos de estudo recorrem a “vaquinhas” para manter seus trabalhos. Também é comum ver cientistas que tiram dinheiro do próprio bolso para manter a infraestrutura e pagar a equipe.
De acordo com o diretor de pesquisas da Faperj, um projeto firmado em 2015 para estudar doenças negligenciadas, composto por 60 profissionais do Rio e da Suíça, ilustra a situação do estado na área da produção de conhecimento. Os pesquisadores europeus foram devidamente pagos pelo trabalho, enquanto os colegas brasileiros, diz Lima Silva, ainda não receberam os recursos da Faperj.
Equipamentos desgastados
Presidente da Academia Brasileira de Ciências e integrante do Laboratório de Óptica Quântica da UFRJ, o físico Luiz Davidovich está preocupado com a preservação de seus aparelhos. Se houver algum defeito, devido à dificuldade para repasse de verbas da Faperj, suas atividades correm o risco de ser canceladas:
— Uso um equipamento de laser que sofre um desgaste natural. Está no meu laboratório há dois anos, então é possível que queime. Teríamos uma ameaça séria de não conseguir reposição — explica.
De acordo com Davidovich, a publicação de artigos científicos de equipes fluminenses vem diminuindo. Segundo ele, a tendência se deve, principalmente, à perda de uma “matéria prima fundamental”: os pesquisadores.
Na tarde de ontem, um protesto reuniu cerca de 40 estudantes na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, na Zona Norte do Rio. Entre eles estava Larissa Gomes, doutoranda em Biologia Parasitária. Bolsista da Faperj, ela contou que o último pagamento recebido foi relativo ao mês de outubro, mas depositado somente em dezembro.
— A gente liga, reclama, e eles dizem que não existe prazo para o pagamento — conta a estudante, que já deixou de pagar contas por causa do atraso na bolsa. — Meu marido está tendo que bancar tudo sozinho.
Larissa tem até outubro para defender sua tese de doutorado, mas teme que, por causa da crise na fundação que deveria amparar sua pesquisa, seus estudos sobre a malária sejam afetados.
— Não tenho mais condições de ir ao laboratório todos os dias. Tento programar todos os experimentos para ficar dois ou três dias sem vir. E ainda trago almoço de casa — relata a estudante, que recebe o auxílio do programa Bolsa Nota 10, concedido pela Faperj apenas a estudantes de destaque. — Foi um prêmio abacaxi.
A Faperj informou, em nota, que pagou nesta sexta-feira as bolsas referentes ao mês de novembro. Os recursos estarão disponíveis para os pesquisadores até a próxima quarta-feira. A fundação está estudando o impacto do decreto: “A Fundação destina um quarto do seu orçamento anual — o que equivale a R$ 100 milhões — ao pagamento das bolsas. Já as demais pesquisas desenvolvidas em instituições sediadas no Estado do Rio de Janeiro — em torno de 3,5 mil projetos — continuam aguardando o aumento da arrecadação para voltar a receber financiamento da Faperj”.
Fonte: “O Globo”.
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