Não se muda nada se tudo continuar a ser feito do mesmo jeito. É um truísmo que se aplica a todas as intenções do governo Jair Bolsonaro, em especial na área econômica.
O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, causou alvoroço ao anunciar segunda-feira, em discurso na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), cortes de 30% a 50% nos impostos destinados a financiar o Sistema S, grupo que reúne nove associações empresariais como Sesc, Senai e Sesi.
A reação foi a esperada. Em comunicados, os afetados lamentaram que milhões ficariam sem formação profissional, milhares sem emprego e que os cortes teriam “efeitos devastadores”, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste.
Estima-se que os repasses do governo às associações que formam o sistema S, entre 1% e 2,5% da folha de pagamento dependendo do setor empresarial, somem R$ 18 bilhões em 2018. Elas ainda obtêm receitas adicionais com contribuições diretas e cobranças. No total, movimentam entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões.
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O dinheiro financia 3,5 milhões de alunos do ensino profissionalizante, além de eventos esportivos, turísticos ou culturais. São serviços de qualidade reconhecida, que se beneficiam da gestão privada, embora o financiamento público seja predominante.
Não é nova a intenção de promover cortes nos impostos que financiam o Sistema S. Dois anos atrás tramitava no Senado uma proposta para reduzir os repasses do governo em 30%, de modo a aliviar a carga tributária sobre as empresas.
Naquela época, uma redução de 30% sobre o total de R$ 16,4 bilhões repassados correspondia a menos de 20% das receitas totais. Num momento de crise financeira, é um corte substancial, mas não além do razoável. Não acabaria com os serviços prestados.
Poderia reduzi-los, é verdade. Mas a própria característica híbrida do Sistema S fornece caminhos para ampliar a arrecadação de outras formas. Ao amedrontar os empresários com a ampliação do percentual para 50%, Guedes quer basicamente que eles se mobilizem para explorar outras formas de financiamento.
Claro que, para voltar ao truísmo, se continuarem a fazer tudo como hoje, haverá perda de qualidade nos serviços. Não haveria outras formas de arrecadar recursos? Por que o governo é sempre visto como um salvador nacional, um saco sem fundo de onde tudo tem de sair?
Ninguém nega que o Estado tem um papel essencial na ação social, educação, saúde ou redução de desigualdades. Mas em que medida se justifica cobrar imposto sobre quem produz para transferir a organizações que mantêm vantagem competitiva intransponível sobre qualquer outro que queira prestar os mesmos serviços?
Tome o caso dos cursos profissionalizantes. Não haveria como instaurar um mercado competitivo, já que a demanda na área é crescente? Para fazer isso, o governo deveria não subsidiar as empresas ou organizações que fornecem tais cursos, mas distribuir bolsas de estudo a quem precise. O dinheiro seria investido diretamente nos maiores interessados, em vez de financiar burocracias e criar grupos de interesse em manter verbas do Estado.
A declaração de Guedes poderá naturalmente esbarrar no principal obstáculo que já emperrou outras tentativas de reformar o Sistema S: o lobby das associações empresariais no Congresso, sempre alerta para evitar qualquer mudança no statu quo.
Ela oferece, porém, uma oportunidade para o próprio Sistema S reagir, com uma proposta de redução da dependência do Estado. Pode ser um mecanismo gradual, um novo sistema de bolsas ou qualquer inovação que permita deixar de depender dos impostos.
Ninguém melhor que os próprios empresários para saber quanto o alívio tributário representa em incentivo ao empreendedorismo e à geração de empregos. Bastaria levar esse mesmo espírito de inovação à gestão financeira do sistema S e tentar fazer diferente.
Fonte: “G1”, 19/12/2018