Apesar dos avanços, ainda é baixa a presença feminina nos Parlamentos mundo afora, em média de 25%, e com grande dispersão entre os países. Curiosamente, aqueles com taxas mais elevadas não são democracias bem estabelecidas – Ruanda (61%), Cuba e Bolívia (53%). Em uma amostra de 167 países, nota-se que nações mais democráticas tendem a ter participação ligeiramente maior de mulheres no Legislativo. As pesquisas empíricas sobre essa relação, no entanto, não são suficientemente robustas e claras. Tampouco se pode afirmar que a maior presença de mulheres na política implica maior amadurecimento democrático.
Por essa perspectiva, o fato de o Brasil estar abaixo da média mundial, com taxa de participação de 15% (nível federal), não chega a ser um problema. Não seria esse o aspecto mais frágil de nossa democracia, mais relacionado à baixa transparência e prestação de contas do governo e à reduzida cultura política, a julgar pela posição do País nos rankings globais de qualidade da democracia.
A maioria dos países adota cotas eleitorais para mulheres. São 120 países catalogados, não havendo um perfil claro do ponto de vista de renda per capita e cultura, mas há moderada prevalência naqueles com maior índice de qualidade da democracia.
A intenção é contornar barreiras culturais e sócio-econômicas. Pesquisas acadêmicas mostram que esses são os fatores que mais afetam a presença de mulheres na política. Países em que a crença na igualdade de gêneros é menos valorizada têm menos mulheres no Parlamento. O mesmo vale para aqueles com menor desenvolvimento humano. Esses são elementos que tolhem a disposição das mulheres para a carreira política, deprimindo a oferta de potenciais candidatas onde partidos fazem recrutamento.
Esse ponto é importante, pois sugere a reduzida eficácia das cotas, em que pese seu papel em aumentar o baixo interesse dos partidos por candidatas mulheres. Em outras palavras, o problema parece ser maior do lado da oferta do que do lado da demanda de candidaturas femininas.
Na experiência mundial, as cotas não se mostram, de fato, muito eficazes para aumentar a presença de mulheres no Parlamento. Questões culturais e sócio-econômicas, que mudam lentamente, são preponderantes. É possível também que faça diferença se a introdução de cotas foi fruto de pressão interna das mulheres, por desejo de maior participação, ou se foi decisão de políticos inspirados nas tendências mundiais, como é o caso do Brasil.
É importante ressaltar que o objetivo de cotas não deveria ser o de beneficiar as mulheres, mas, sim, a coletividade. E, para isso, a maior representatividade feminina no Parlamento precisa se traduzir em defesa de maior qualidade das políticas públicas, atendendo aos variados anseios da sociedade, qualquer que seja o gênero, a cor e o credo.
Nesta eleição, as regras de cotas tornaram-se mais exigentes, com a destinação de recursos do fundo eleitoral em benefício das candidaturas femininas. Coincidência ou não, houve algum aumento da eleição de mulheres – 16% das cadeiras, ante 13,5% em 2016. O salto maior, na realidade, ocorreu na eleição de 1996 (de 7,4% para 11,1%), na criação das cotas.
O trabalho daqui para frente não deveria ser o de introduzir mais regras, como sugerido por algumas deputadas, que defendem cota no Legislativo e não apenas de candidaturas. A julgar pela pesquisa acadêmica com a experiência mundial, o ganhos não seriam relevantes. Não deveríamos exagerar no foco dessas políticas, perdendo de perspectiva o que realmente faz diferença.
As mulheres costumam ser eleitoras mais exigentes e conscientes, e valorizam mais a qualidade dos serviços públicos. Precisam ser mais ouvidas. Isso ajudaria para um debate público mais maduro, que busque direcionar a ação governamental para a entrega das demandas da sociedade de forma efetiva e responsável.
Não existem atalhos para a cidadania.
Fonte: “Estadão”, 26/11/2020
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