Bastou o ex-presidente Lula recomendar que os ministros acusados de corrupção tivessem “couro duro” e resistissem às denúncias antes de jogarem a toalha, para que os últimos envolvidos em escândalos ensaiassem uma resistência patética. O ex-ministro do Esporte Orlando Silva esperneou muito antes de pedir para sair, e o máximo que conseguiu foi um enterro de primeira classe, com direito a salva de palmas e a declarações estranhíssimas da própria presidente, que afirmou que não perdera a confiança nele, mas, no entanto, abria mão de sua preciosa colaboração não se sabe bem por quê.
Já o ainda ministro do Trabalho, Carlos Lupi, deixou-se levar pelo entusiasmo e piorou sua situação ao anunciar que só sairia do ministério “abatido à bala”.
Tal resistência é um tanto exagerada e, mesmo como metáfora, seria mais produtiva para seus interesses se Lupi ameaçasse fazer um haraquiri em defesa de sua honra, em vez de ver alguém interessado em abatê-lo a tiros.
A provável saída do sexto ministro envolvido em denúncias de corrupção traz novamente à tona a responsabilidade do ex-presidente Lula, que foi o fiador de todos eles.
Tanta coincidência não é apenas constrangedora para a presidente Dilma como indica que há um método nessa divisão de feudos no governo, que obedece a uma distribuição de poder que Lula aprofundou com sua leniência e a presidente aceitou continuar, se não por comungar dos mesmos propósitos, por falta de força política para renegar, nunca por desconhecimento.
Chefe da Casa Civil durante a maior parte dos dois mandatos de Lula, beneficiária na sua eleição do apoio da coligação partidária que está representada em seu Ministério, a presidente Dilma conhecia a fundo cada um desses personagens e já tivera com o ministro do Trabalho um desentendimento que quase gerou a sua saída do ministério.
Na primeira discussão sobre o salário mínimo, Lupi, confirmado no cargo, passou a defender um montante maior do que a equipe econômica do novo governo havia estabelecido.
Criou um ambiente propício à dissidência de seu partido na votação em plenário, e, quando pressionado pelo Planalto, voltou atrás, não teve como controlar a bancada, e alguns deputados votaram por um mínimo maior.
Lupi foi colocado na geladeira e passou algumas reuniões de líderes partidários sem ser chamado.
Ele também já teve que enfrentar o Conselho de Ética do governo, na gestão Lula, quando foi identificado um conflito de interesses no acúmulo da função de ministro com a de presidente do PDT.
Ele resistiu até o ponto de colocar em xeque a própria existência do Conselho, e acabou tendo que ceder. Mas achou uma saída bem brasileira para o caso: continua informalmente à frente do PDT, mas sem ser seu presidente oficial, uma solução que preservou as aparências. O Conselho continuou a existir, embora claramente esvaziado, e o ministro do Trabalho continuou dando as cartas em seu partido.
A presidente Dilma está se aproveitando da situação para se livrar de todos os ministros que lhe foram impostos por Lula, demonstrando uma habilidade insuspeitada.
Passa à opinião pública a imagem de que prossegue na sua faxina ética, de que é menos conivente do que Lula com os “malfeitos” e, ao mesmo tempo, consegue não se atritar nem com o seu mentor político nem com as legendas que compõem sua base partidária, pois tem mantido rigorosamente inalterado o acordo que reserva para cada partido um feudo ministerial.
Cada ministro foi substituído por outro do mesmo partido, preservando o equilíbrio de forças na divisão ministerial.
O que já está ficando evidente, no entanto, é que ela não é tão avessa assim a esse tipo de jogo político, apenas tem um couro menos duro que o de Lula, ou se incomoda mais com as aparências.
Basta lembrar que Erenice Guerra, a pessoa de sua confiança que a substituiu na Casa Civil quando saiu para se candidatar, foi apanhada em “malfeitos”, teve que ser substituída às pressas para não contaminar a candidatura, mas estava à vontade na cerimônia de posse de Dilma, meses depois, sem que nada tivesse acontecido de concreto a respeito do tráfico de influência que ela exercia no governo com seus parentes.
No caso atual do ministro do Trabalho, foi revelado que há três meses ele fora advertido de que havia irregularidades em seu território, o que mostra que os serviços de inteligência e fiscalização do governo encaminham informações ao Palácio do Planalto, que, no entanto, não age preventivamente, mas somente quando a imprensa descobre os “malfeitos”.
A Polícia Federal já investiga os convênios do Ministério do Trabalho com ONGs há muito tempo.
A presidente claramente utiliza-se de uma tática para não brigar nem com os partidos aliados e muito menos com o ex-presidente Lula.
Há quem insinue que são os próprios aliados do Palácio do Planalto que vazam as denúncias para criar o clima político propício às demissões.
O fato é que a presidente Dilma não tem força política para brigar com Lula, nem com o PT, e está buscando uma forma de conviver com suas próprias contradições.
Tudo indica que ela não tem dificuldades de conviver com ministros corruptos, mas sim com ministros corruptos que são descobertos.
Essa derrubada em série de ministros – mesmo que Lupi ainda não tenha caído – indica que há algo de muito podre na formação dessa aliança governista no Congresso.
É uma evidência de que as relações políticas se baseiam em esquemas que frequentemente correm à margem das leis, e tirando os ministros, mas mantendo o mesmo esquema de poder nos feudos ministeriais, estamos caminhando para o enraizamento de um sistema político-partidário nefasto para a democracia brasileira.
Fonte: O Globo, 09/11/2011
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