Os estados democráticos organizados atuam para aumentar a produtividade dos cidadãos e reduzir as desigualdades sociais. A Covid-19 agravou a desigualdade, sobretudo porque afetou o emprego e a renda dos pobres de forma intensa. A taxa de desemprego está em 14,6% e o Índice de Gini em 0,54. As circunstâncias exigem que, além do controle fiscal, haja aceleração das parcerias público-privadas e investimento público em educação e saúde. O investimento público cai desde 2014 e não tem sido substituído pelo investimento privado. Os recursos adviriam de aumento de impostos e redução de renúncias fiscais, pois a opção de endividamento é de alto risco, dado o nível da relação Dívida/PIB de 90%. Um projeto de crescimento inclusivo deflagra uma dinâmica positiva.
O Liberalismo e a Covid-19
Todo governo genuinamente liberal democrata atua na busca da igualdade de oportunidades, o valor mais caro ao Liberalismo. Para isso, sua ação mira, permanentemente, o aumento sustentável da produtividade da mão-de-obra mediante investimentos em Educação, Saúde e Saneamento, e a redução sustentável das desigualdades de rendimentos das pessoas físicas por meio do sistema tributário. A Covid-19 exigiu uma ação emergencial do Governo Brasileiro dirigida diretamente ao cidadão sem emprego e sem renda. Houve transferência temporária de renda, mas não uma ação sustentável de redução das desigualdades. Tendo em vista os efeitos da Covid-19 na Dívida Pública e nas desigualdades sociais, o Governo Federal deve mirar a disciplina fiscal e promover o crescimento econômico inclusivo, mediante a aceleração das parcerias com o setor privado nas áreas de infraestrutura, logística e energia, muitos dos projetos já em fase de cumprimento de formalidades, conforme texto do Ministério da Economia(1). E deve aumentar os investimentos públicos nas áreas de educação e saúde, financiados pelo aumento de imposto da pessoa física e pela redução das renúncias fiscais a empresas.
A ação emergencial e a Dívida
Para que as famílias mais pobres mantivessem a sobrevivência, o Governo Federal aquinhoou, a 68 milhões de brasileiros, R$ 322 bilhões em 2020. A esse valor, equivalente a 10 bolsas-família anuais, somaram-se outras despesas e transferências para estados e municípios, de modo que o total gasto com a pandemia alcançou a cifra de R$ 540 bilhões. O Déficit Primário subiu para R$ 743 bilhões, aproximadamente 9,5% do PIB. E a Dívida Pública Federal chegou à casa dos 89,3% do PIB. Este ano, 2021, a dívida continua aumentando, devido ao aumento de gastos com a Saúde e com a transferência de R$40 bilhões aos mais carentes, prestes a ser definida por Lei, pelo Congresso Nacional. A criação da excepcionalidade legal para os gastos de 2020 e para a transferência dos R$ 40 bilhões deste ano contorna o problema da violação da legislação do teto dos gastos (EC 341), mas não impede o aumento da Dívida Pública, que, assim como ocorreu no ano passado, ocorrerá neste ano.
A relação Dívida/PIB
Cabe uma palavra sobre o limite da relação Dívida/PIB considerado seguro para os adquirentes de títulos de dívidas públicas. Trata-se de escore quantitativo que expressa avaliações prospectivas sobre as perspectivas de estabilidade institucional e de crescimento econômico e uma avaliação da credibilidade e da eficiência do Governo. O nível da relação Dívida/PIB de 90%, a que chegou o Brasil, seria impensável até há dois anos atrás, pois muito maior do que os 50% admitidos, por analistas da economia e da política, como sustentáveis para país emergente. Esse percentual foi a meta que o Brasil buscou desde o Plano Real, mas que se tornou inalcançável devido aos sete últimos anos de déficits primários e de juros excessivamente altos, em boa parte do tempo. Com o aumento da relação Dívida/PIB (agravada pela recessão de 2020), o risco de crise fiscal se elevou, o qual, por sua vez, causou aumentos das taxas de juros longos e depreciação do Real, que são indicadores de que a situação econômica do Brasil é desconfortável para os investidores.
À pergunta se é possível que o nível da relação Dívida/PIB na casa dos 90% seja sustentável, cabe a resposta sim, teoricamente. Isso porque a sustentabilidade das dívidas públicas depende da crença na estabilidade das instituições e na capacidade de o País deflagrar um processo de crescimento econômico sustentável (além do fato de a dívida brasileira ser, basicamente, em reais, assunto que não analiso neste texto). Um indicador que respalda a afirmativa é o número estimado, anos atrás, como limite para os países do primeiro mundo, 90%. Essa referência se deslocou para patamar superior, em quase todos os países desenvolvidos. Hoje, o limiar é bem superior. Por exemplo, a relação para os Estados Unidos da América está em torno de 108%, sem que tenha havido descontrole das taxas de juros, conforme demonstra o nível do T-bond de 10 anos, 1,35%.
A resposta afirmativa sugere que se ponha a questão sob outro ângulo: que medidas as autoridades econômicas brasileiras podem tomar, além dos controles expressos pela PEC Emergencial, para que a atual relação Dívida/PIB seja aceitável no curto prazo e reduzida a médio e logo prazos, e, ao mesmo tempo, reduza as desigualdades de renda, ou seja, promova um processo de crescimento inclusivo? Primeiro, uma palavra sobre o quadro atual.
Perda de renda e piora na distribuição
Pelo lado social, a pandemia destruiu empregos (parte dos quais não se recupera espontaneamente), agravou a distribuição de renda e aumentou o nível de pobreza de grandes segmentos da população. Macroeconomicamente, a Demanda Global caiu e o Hiato do Produto aumentou, isto é, a Covid-19 aumentou bruscamente o nível de ociosidade dos fatores de produção da economia. O efeito nas condições dos mais carentes é inquestionável, conforme comprovam vários estudos. A Fundação Getúlio Vargas, por exemplo, conclui que a suspensão do Auxílio Emergencial implicou em perda imediata de 28% das rendas das famílias mais pobres, as quais constituem 50% dos domicílios de menor rendimento domiciliar, de acordo com dados da PNAD Contínua do IBGE. E o Índice de Gini (medida do grau de concentração de renda) retornou para 0,54. Em resumo, a pandemia aumentou a concentração de renda e manteve o Brasil entre os 7 países de maior concentração de renda do mundo.
Juros dos títulos públicos
Sob ângulo aritmético, o que garante a estabilidade ou a queda da relação Dívida/PIB é a taxa de crescimento do PIB ser igual ou superior à taxa de juros real e o déficit primário ser controlado. É preciso que a taxa de juros volte para nos níveis anteriores. Cabe ao Ministério da Economia (e ao Legislativo) articular medidas urgentes, além das medidas de controle do risco fiscal, que aumentem a taxa de crescimento da economia. As reformas estruturais, Administrativa e Tributária Ampla, são indispensáveis, mas têm seus efeitos no futuro, pois, no Brasil, ajustes dessa natureza são decididos para serem arcados pelas gerações futuras, como no caso da Reforma da Previdência para os funcionários públicos. É indispensável que haja uma mudança de expectativas baseada em programa econômico crível, com efeitos imediatos e de médio prazo, as quais contribuiriam para reduzir o prêmio de risco das taxas de juros e a pressão no Mercado Câmbio.
Aumentar o investimento
Cabe assinalar que o crescimento econômico propriamente dito é expresso pelo aumento do estoque de capital da economia e que desde 2013 o investimento privado não cresce e o investimento público cai, conforme comprovam os dados das Contas Nacionais, até 2018. Em 2019 e 2020, as estimativas do IPEA mostram queda expressiva do investimento do Governo Federal sem reação do investimento privado. Portanto, os dados indicam que o setor privado não substituiu o investimento do setor público. E, a continuar sem o investimento público e com o investimento privado estagnado, o mais provável é que o Brasil cresça a taxas modestas, como vem ocorrendo, e continue com déficits primários elevados. Essa situação leva ao aumento da Relação Dívida/PIB e das expectativas de defaut da dívida pública. Portanto, para reduzir o risco de crise fiscal, não basta o respeito ao Teto de Despesas, são necessários o controle fiscal e medidas para aumentar o investimento pois, como dito, reforma no Brasil tem efeito no futuro, como no anúncio da Reforma do Estado: “A Reforma não afeta ninguém no presente”.
Medidas imediatas
Cabe repetir, não deve haver dúvidas da contribuição das reformas administrativa e tributária para a queda sustentável dos juros e a redução da taxa de câmbio. No entanto, é preciso que haja crescimento econômico já, devido ao tempo exigido para as reformas, principalmente a Reforma tributária que deve ser abrangente para atualizar o sistema arcaico de hoje, e profunda para assimilar o mundo hodierno, a economia digital e as questões de sustentabilidade. E, conforme manifestado mundo afora, que visse à redução das desigualdades. Dadas essas limitações e dadas as circunstâncias impostas pela Covid-19, as sugestões são no sentido da prioridade total ao investimento em Infraestrutura e em Educação e Saúde, conforme resumido a seguir:
a) Investimento em infraestrutura. O Ministério da Economia divulgou, em 07/2020, um texto sobre investimento em infraestrutura em que relaciona muitos projetos em andamento para o regime de concessão e de parcerias (PPP’s) em várias áreas (ver texto citado no rodapé da fl 5). A esse programa, acompanhado/coordenado pela Secretaria Especial do Programa de Parceria de Investimento (PPI), o Ministério da Economia pode dar prioridade total para proceder à avaliação e aprovação, inclusive com agilização dos trâmites formais;
b) Investimento em Educação e Saúde. Os investimento do Governo Central, que minguaram nos últimos anos para o nível de R$ 25 bilhões, devem ser retomados e serem concentrado nas áreas de Educação e Saúde (nesta até mesmo por uma inevitabilidade), mediante transferência de recursos para estados e municípios. A sugestão de financiamento é por via de aumento do imposto de renda Pessoa Física, com a criação de duas faixas adicionais, 32,5% e 37,5%, e redução de benefícios; e da redução das renúncias fiscais concedidas às empresas.
Reforma Tributária e a PEC Emergencial
A sugestão de aumento dos impostos da pessoa física e redução das renúncias fiscais das pessoas jurídicas não é conflitante com a Reforma Tributária Ampla de que o País necessita para se adequar à modernidade. Isto porque entre os objetivos de tal reforma deve-se encontrar a progressividade do imposto de renda da pessoa física, a redução do peso dos impostos indiretos e a transparência (quem paga quanto). Uma maior proporção do imposto da pessoa física e menor proporção do imposto indireto é uma forma de reduzir as desigualdades.
A avaliação é que um programa de marcha forçada nas PPP’s, nas concessões e no investimento em capital humano (mesmo por via do aumento de impostos) e o controle fiscal da PEC Emergencial, ora em discussão no Congresso Nacional, constituem elementos suficientes para reverter as expectativas e provocar a redução das taxas de juros ao criar confiança quanto ao desempenho da Economia e à redução do risco da Dívida.
Cabe uma palavra sobre o aumento de impostos e o objetivo explícito na PEC Emergencial de reduzir os salários e a jornada de trabalho dos funcionários públicos. Entendo que a proposta se ispirou na anomalia dos altos salários dos servidores públicos. Por isso, os autores deram menos pesos a outros aspectos como a eficiência do serviço público (a redução da jornada de trabalho pode prejudicar a prestação de serviços à população) e a abrangência da “contribuição” ao ajuste. Por sua vez, a proposta aqui formulada – aumento alíquotas de impostos para rendas mais altas – atende, em parte, à motivação dos autores da PEC, e é mais abrangente, pois inclui os empregados das estatais e das autarquias, os profissionais das grandes empresas privadas e os profissionais liberais de alta renda. Em assim sendo, a sugestão é harmônica com princípios de ordem Moral, logo tem mais legitimidade.
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(1)MEC, Retomada no pós-Covid: o investimento em infraestrutura como indutor da prosperidade, Martha Seiller, Secretária Especial do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) e Bertha Gadelha, Assessora Internacional do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), 20/07/2020.
Fonte: “Blog do Francisco de Assis Moura de Melo”, 25/02/2021
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