Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever. E essa diferença é enorme, pois o que acontece quase sempre é que, quando a consequência imediata é favorável, as consequências posteriores são funestas e vice-versa (…) De resto, o mesmo acontece no campo da saúde e da moral. Frequentemente, quanto mais doce for o primeiro fruto de um hábito, tanto mais amargos serão os outros. (Frederic Bastiat)
Em “O que é filosofia”, Deleuze e Guatari afirmam que filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos e que o filósofo é bom em conceitos, sabe diferenciar os frágeis, inconsistentes, que não resistem à crítica cuidadosa e os que perduram, que resistem às críticas.
Para falar a verdade, as ciências, as artes, as filosofias são igualmente criadoras, mesmo se compete apenas à filosofia criar conceitos no sentido estrito. Os conceitos não nos esperam inteiramente feitos, como corpos celestes. Não há céu para os conceitos. (…) Não há conceito simples. Todo conceito tem componentes e se define por eles. Tem, portanto, uma cifra. É uma multiplicidade, embora nem toda multiplicidade seja conceitual.(1)
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Conceito é um instrumento do olhar, do interpretar a realidade. É uma mediação. A construção de qualquer indicador é conceito-dependente. Um indicador é uma tentativa de apresentar, em linguagem matematizada, uma fração da realidade, abstratamente dela separada por meio dos conceitos utilizados por quem o cria ou usa. Como todo instrumento, seu uso possui objetivo (explicitado ou não pelo utilizador).
Produto Interno Bruto (PIB)(2) é um indicador que se baseia num conceito que trata a organização política “estado ou governo” como igual à organização econômica “empresa’ ou ao indivíduo que produz age e produz renda para si em suas interações com outros indivíduos ou empresas. Se estado e “sociedade civil” são a mesma coisa, o somatório do montante monetário existente em um dado momento REPRESENTA o total da produção realizada na e pela sociedade em questão.
No entanto, se conceitualmente a organização “estado/governo” é tida como produtora de nada, salvo regras e constrangimentos, então o montante monetário que flui dos indivíduos e empresas no sentido do governo não pode ser tratado como sendo aquilo que o governo/estado produz. Neste ambiente conceitual, o montante monetário que o governo arranca das pessoas/empresas por meio dos tributos e outros constrangimentos não pode ser tratado como algo produzido, como renda a ser alocada por um agente produtor, apenas como um grupo que captura renda alheia e decide aloca-la conforme sua própria Agenda. Sendo sua própria sobrevivência item fundamental desta.
Faz-se necessário, portanto, um trabalho consistente de criar um indicador diferente do PIB para identificar e separar o montante monetário que produzido por indivíduos e empresas num determinado lapso temporal e territorial, daquele montante que deles é retirado à força pelo sistema político e sua burocracia. Obviamente que ambos indicadores também demonstram as diferenças de interesses e perspectivas de quem os usa.
Escapando, ou tentando fazê-lo, da esfera econômica para a esfera da saúde pública, determinadas doenças servem como indicadores de fenômenos que extrapolam a dinâmica delas mesmas.
Quando da identificação AIDS e a identificação do então HTLV3 a mesma servia como proxy de determinados comportamentos relacionados a diferentes tipos de prazeres e de fragilidades dos sistemas de saúde no que se relaciona a transfusões de sangue.
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Ebola também pode ser usado como um indicador dado o fato de sua baixa circulação planetária. Poucos indivíduos vão ou passam pelos territórios onde o vírus vive e sobrevive.
Ser portador do COVID-19 na América Latina, neste início de circulação, parece estar relacionado com a variável renda. Característica esta que deve se diluir quando boa parte da população for exposta ao vírus e a seus sintomas de resfriado ou gripe.
Sempre que um indicador para a ser utilizado sistematicamente parece que o fenômeno que ele tenta evidenciar está em dinâmica crescente. Na verdade este crescimento se deve ao fato de que a contagem não era anteriormente feita. Sai-se do zero ignorante para um número qualquer alarmante. Passados os momentos iniciais da contagem, a ilusória percepção de crescimento acelerado tende a diminuir.
Conceito e indicador são indissociáveis e deveriam ser tratados com a devida seriedade e parcimônia necessárias à boa comunicação e circulação de ideias.