Credibilidade é tudo em economia. A nossa foi gradualmente dilapidada ao longo de várias “décadas perdidas”, e agora estamos diante de uma nova ameaça. Enfrentamos a crise da dívida de 1982 praticamente sem dólares no caixa, deixamos a situação social se deteriorar e, finalmente, chegamos à hiperinflação. Até bem pouco tempo, assim, a percepção externa era de que o Brasil estava preso num labirinto, sem chances de encontrar uma saída racional.
De 1995 a 2008, o quadro mudou radicalmente, pois domamos a inflação, instituindo o tripé metas de inflação/superávits fiscais altos/câmbio flutuante e passando a controlar a dívida pública; reduzimos consideravelmente os índices de pobreza; e, sem recursos públicos, colocamos em prática um modelo de expansão dos serviços públicos baseado fortemente no capital privado. Graças a isso, o crescimento sustentável do Produto Interno Bruto (PIB) passou de 2,7% ao ano para algo ao redor de 5% ao ano.
Há várias áreas problemáticas da atuação pública que ainda precisam ser azeitadas, algo que demandará bastante tempo. Temos sido incapazes de realizar uma reforma administrativa com letras maiúsculas, e, assim, uma área crítica é a de administração e gestão. O problema previdenciário tende a se agravar consideravelmente nos próximos anos. Ou seja, há muito o que reestruturar.
Enquanto a produção industrial do mundo inteiro desabava com a crise de 2008/2009 e até hoje muitos continuam abaixo do pico prévio, a do Brasil caía igualmente, mas fomos campeões em recuperá-la ao nível prévio em apenas um ano. Já em 2010, o PIB passava a crescer a 7,5%, deixando o mundo perplexo. Dobraram, pois, as apostas no Brasil como um dos principais destinos para investimento estrangeiro. Parecia que a crise, em que pese sua gravidade, não fora capaz de abalar a credibilidade construída ao longo da década precedente.
Só que, de lá para cá, tudo parece mudar no sentido oposto, criando-se rapidamente uma nova percepção desfavorável sobre o Brasil no exterior. As análises sintetizam a deterioração do quadro econômico com a constatação de que, apesar das promessas de algo melhor, o PIB só cresceu 2,7% em 2011 e deve crescer apenas 1% em 2012, longe dos 5%, que parecia ser a taxa sustentável. E, em adição, há cinco trimestres a razão investimento global/PIB só cai, depois de longo período em que subia seguidamente.
Em parte, esse desempenho se explica pela desabada da produção (e talvez do investimento) industrial, que, desde a rápida recuperação inicial pós-crise, só cai, em que pesem medidas de apoio e a desvalorização do real. Além disso, os resultados fiscais, computados sem manobras contábeis, vêm caindo sistematicamente, embora sem pôr em risco, ainda, a trajetória declinante da razão entre a dívida pública e o PIB.
E no setor de serviços, por que os investimentos não crescem mais? Ali, maiores rentabilidades seriam garantidas por demanda crescente e impossibilidade de importar. Nesse caso, contudo, sujeito à forte intervenção governamental, o ambiente de negócios para o setor privado em geral vem se tornando crescentemente desfavorável, diante da transição, que tem sido posta em prática desde 2003, para um modelo de expansão que pode ser caracterizado como de capitalismo de Estado, após a escalada liberal da era FHC.
Por essa visão, que guarda um certo paralelismo com o movimento antiliberal que se esboça no mundo desenvolvido em crise (veja, a propósito, o artigo de Dani Rodrik no “Valor” de 10/1/2013), o ideal seria o próprio Estado atuar diretamente em vários segmentos da área de serviços e oferecer os menores preços imagináveis para a sociedade. Sem recursos, busca-se, alternativamente, um certo compadrio com segmentos do setor privado. Nesse esquema, o governo exige que o concessionário do serviço público cobre a menor tarifa imaginável pela prestação de serviços, em troca de empréstimos oficiais subsidiados e outras benesses que atenuem os efeitos deletérios sobre as respectivas rentabilidades.
A maior limitação que trava essa transição aparece, contudo, no lado operacional. Na prática, as agências reguladoras estão se tornando parte da administração direta, e nesta a gestão pública é caótica. Dessa forma, as coisas não andam, e, por exemplo, o desempenho das concessões da infraestrutura de transportes pós-2007, claramente sob um esquema de compadrio, tem sido abaixo da crítica. É só comparar o montante de investimentos realizados nessa fase com os da fase anterior, e a situação das rodovias nos dois casos.
Roberto Setúbal, presidente do Itaú, estava certo quando destacou recentemente, na “Folha de S.Paulo”, a importância de retornos atrativos para atiçar o espírito animal de empresários. A visão de que o capital privado só se excita quando vê demanda crescendo é míope. Para investir, é preciso ter retorno. Se voltarmos a querer tocar o Brasil a partir de ideias populistas e estatizantes, que já não deram certo no passado, achando que há espaço fiscal para gastar mais (quando na realidade não há), daremos com os burros n’água. Perderíamos credibilidade e o atual governo estaria queimando a herança bendita das últimas décadas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 14/01/2013
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