Apesar dos problemas que estamos enfrentando, é inegável que o país está muito melhor do que 15 anos atrás. Um dos aspectos em que mais se nota essa melhora é o volume de crédito habitacional, beneficiado nos últimos anos pela estabilização. Ao mesmo tempo, porém, estamos ainda distantes de sermos uma Suíça, onde, como diz um amigo, “inflação anual de 3% parece hiperinflação”. É isso que explica por que nosso mercado de crédito habitacional não alcançará tão cedo as características de mercados evoluídos.
Uma das diferenças entre nosso mercado e outros maduros é a continuidade entre nós da presença de uma inflação que, mesmo sendo muito inferior à do passado, está longe de ser desprezível. Qual é a principal conseqüência disso? É que nos países desenvolvidos – sem entrar em detalhes sobre as características da crise atual, que se espera que seja superada nos próximos dois anos – uma pessoa pode contratar um crédito para comprar o seu imóvel e assumir o compromisso de pagar prestações nominais fixas, em um arranjo financeiro razoável para ambas as partes. Para o devedor porque, com o aumento da renda ao longo do tempo, o peso relativo da prestação cai com o passar dos anos. E para o credor, porque viabilizando o pagamento ao longo do tempo, não tem que encarar um risco grande de a inflação aumentar significativamente, o que faria o valor real da prestação “micar”. Isso porque – mesmo no contexto de incertezas próprias do sistema – a longo prazo, quase ninguém imagina que a inflação americana média, por exemplo, será muito distante do intervalo de 2 a 4% ao ano.
Já no Brasil, o problema é que, apesar do êxito do sistema de metas de inflação, é difícil garantir que a inflação das próximas décadas será tão baixa como a dos países avançados. Quanto pode ser a inflação nos próximos 15 anos? 4%? Seria razoável. Porém, pode-se afirmar categoricamente que não ultrapassará 5%? Pode-se descartar que seja 6%? São dúvidas legítimas, que introduzem uma incerteza maior que a de mercados de outros países, ao se negociarem empréstimos de longo prazo.
Admitindo uma taxa de juros real de 10% – próxima à que vigora na prática nesse mercado, no Brasil – e adotando a fórmula conhecida como “Tabela Price”, que torna a soma de amortização e juros uma constante, temos a situação exposta no gráfico. Nele, são comparados diferentes esquemas de pagamento de um empréstimo, mostrando o valor real das prestações ao longo de dez anos, mês a mês, supondo em um caso uma Tabela Price indexada mensalmente (com valor nominal indexado e valor real constante) e nos outros dois, a preservação do valor nominal da prestação nos 120 meses do contrato e taxas de inflação de 3% e 6%, respectivamente (ou seja, com um valor real declinante). A taxa de juros nominal é a que decorre de compor a inflação com juros reais de 10%. Em todos os casos, a prestação refere-se a uma dívida inicial de R$ 100.000, correspondente a um pequeno apartamento no Rio ou em São Paulo – ou parcela de um apartamento maior.
A Tabela Price indexada gera um valor real constante de R$ 1.298, que se mantém ao longo do tempo. Já os esquemas sem indexação geram uma prestação inicial tanto maior quanto maior for a inflação: se esta for de 3%, como a corrosão inflacionária é lenta, a prestação não é muito distante do valor inicial do caso com indexação e é de R$ 1.467, enquanto que, a preços da data de contrato, esse valor, 120 meses depois, cai para R$ 1.091. Já com inflação de 6%, o valor inicial tem que ser maior (R$ 1.641) uma vez que, sendo a perda real expressiva, no final o valor real, a preços da data de contrato, cai muito, para R$ 917. Se a inflação for alta e a prestação for constante em termos nominais ao longo de dez ou 20 anos, para que a operação seja interessante do ponto de vista de quem empresta, a prestação inicial pode ser proibitiva para o tomador. A razão disso é que, para um mesmo valor real médio a preços do ano-base, a erosão real ao longo do período de amortização requereria uma relação Prestação inicial/Prestação média muito elevada. Tais questões são tratadas em detalhes no meu artigo em co-autoria com Marcelo Machado Nascimento, “Prestações da casa própria com diferentes taxas de juros e crédito imobiliário: exercícios de simulação”, Revista do BNDES, dezembro 2008 (www.bndes.gov.br).
Da análise dessas questões e de outras correlatas, podemos depreender algumas recomendações. Três delas se destacam:
a) enquanto a inflação não ceder para algo em torno de 3% ao ano e não tivermos um histórico de inflação baixa e estável, os empréstimos imobiliários no Brasil devem privilegiar os esquemas de pagamento indexados, em detrimento de modelos com prestação fixa;
b) para os financiamentos com recursos livres, o setor deveria migrar para uma indexação atrelada ao IPCA, que é um índice com maior previsibilidade e associado ao rendimento do tomador, deixando de lado o IGPM, cuja utilização é, nesta altura, anacrônica; e
c) é desejável que se abandone gradualmente o uso da TR, cujo significado é pouco claro e que em termos reais tem sido negativa há anos, o que gera a necessidade de um “plus” de juros reais que acaba distorcendo o mercado.
Valor Econômico – 12/01/2009
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