Os dados mais recentes da economia brasileira sinalizam uma freada nas expectativas positivas que se avolumavam até o final do ano passado. Se a economia mostrava sinais claros de retomada mais forte, esse não parece mais ser o caso olhando os dados divulgados desde o início do ano.
Há aqui dois vetores a serem analisados nessa recuperação: direção (ou rumo, como chama Fernando Henrique Cardoso) e ritmo. Desde 2016, o governo conseguiu impor uma direção correta para a política econômica do país. Essa direção continuou presente em 2017, mas ferida de morte depois da crise de maio que afetou o presidente Temer. Essa direção, hoje, se mantém, mas aos trancos e barrancos.
Quando a direção perde fôlego, os elementos secundários começam a ditar o ritmo da recuperação. A direção segue importante, mas o ritmo começa a se sobrepor. Em outras palavras, não seguir com firmeza com as reformas permitiu que jabuticabas continuassem a afetar a evolução da recuperação.
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Exemplos não faltam. Não fosse a crise de maio de 2017, a reforma da previdência poderia estar aprovada. Hoje, poderíamos ter avançado na reforma tributária e outras relevantes, como a nova Lei de Falências.
Uma reforma que quase certamente já teria sido aprovada é a do cadastro positiva, que ainda precisará passar pelo Senado, mas que, a essa altura, se aprovada, já poderia ter revertido a alta observada no spread de juros de pessoa física que vemos ao longo desse ano.
Dado que apenas a política monetária está ativa agora para poder ajudar a recuperação cíclica da economia, não ajuda que o principal canal de transmissão esteja obstruído pelo elevado spread.
Ao mesmo tempo, com reformas pendentes, o ajuste na política monetária americana acaba afetando os mercados emergentes, especialmente aqueles mais atrasados nas reformas, como a Argentina, tema de artigo da semana passada. Mas mesmo países mais avançados nesse caso, como o Brasil, acabam sofrendo mais do que deveriam por não terem acelerado as reformas.
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Esses elementos secundários diminuem o ritmo de recuperação por obstruírem o potencial de crescimento agora e por afetar as expectativas. Tem sido comum ver nos indicadores de confiança uma deterioração maior nos índices de expectativa do que nos índices de situação presente.
A perda de fôlego certamente não significa algum tipo de retrocesso, mas apenas uma lentidão em um processo em que a política deu o tom da desaceleração de ritmo.
Crescer em torno de 2,5% este ano estatisticamente não é muito diferente de 2% ou 3%. A questão relevante não é o número, mas saber se essa inflexão no ritmo continuará a tal ponto que poderá afetar a direção da recuperação. Esta será dada pela eleição deste ano, cada vez mais arriscada de trazer surpresas desagradáveis no resultado final.
Praticamente quase todos os candidatos atuais são mestres em vender vento. Há um conjunto quase inédito de vários potenciais ganhadores sem capacidade política efetiva de aprovar as reformas necessárias. Se fosse em condições normais, talvez não fosse problema a eleição de qualquer um que está na liderança do pleito. Mas a necessidade de reformas se choca com a inviabilidade da maioria em colocar o que é relevante na mesa logo de saída.
A contaminação do jogo político na economia parece começar a aparecer mais intensamente nas expectativas. A visão de que a direção da política econômica pode ser muito alterada já começa a afetar negativamente o mercado e não deve melhorar até as eleições.
O que é pior, ao apontar que o que foi feito até agora pode permitir no máximo um crescimento de 2,5%, a reversão do pouco que foi feito facilmente nos leva a números muito piores no ano que vem.
A polarização arraigada de ódio que se vê hoje nos eleitores fará com que o presidente eleito este ano tenha os perdedores o vendo quase como inimigo, sem falar nos que votarão em branco e nulo, que tende a ser recorde. A insatisfação política continuará em alta temperatura dada que a tentativa de mágicas para estimular a economia só a fará afundar ainda mais e atiçar a insatisfação dos eleitores.
Tenho sido um pouco mais otimista depois que o governo Dilma saiu, mas pareço fadado a tomar o rumo pessimista de novo, esperando que as eleições me provem o contrário.
Fonte: “Exame”, 15/05/2018