Como já tratei inúmeras vezes neste espaço, a presidente alterou a política econômica na virada do primeiro para o segundo mandato. O ingrediente mais importante do ajustamento no início desta segunda metade do governo Dilma é um forte ajuste fiscal. Há a expectativa de que, solucionado o desequilíbrio macroeconômico, o crescimento retornará logo. Dois episódios justificam esse otimismo: a recuperação em seguida à alteração do regime cambial na virada do primeiro para o segundo mandato de FHC, na qual já em 2000 a economia cresceu 4,3%; e a retomada em 2004, em seguida ao forte ajustamento macroeconômico na virada do governo FHC para o primeiro governo Lula, quando o crescimento foi de 5,7%.
Penso não haver muitos motivos para otimismo em relação ao crescimento da economia nos próximos anos – mesmo em seguida à arrumação dos desequilíbrios macroeconômicos – em razão de uma diferença-chave entre o atual ajuste macroeconômico e os dois anteriores. Essa diferença associa-se ao ocorrido no regime de política econômica, principalmente microeconômica, nos anos anteriores ao ajuste macroeconômico.
[su_quote]Haverá um longo período de digestão dos investimentos ruins e de arrumação dos diversos marcos institucionais e legais que foram desorganizados[/su_quote]
Os dois ajustes macroeconômicos anteriores ocorreram durante longo período no qual havia contínua evolução no marco institucional e legal. Além da melhora, aos trancos e barrancos, é verdade, da macroeconomia, aprimorávamos continuamente a microeconomia. A forte aceleração do crescimento nesses dois episódios, após ano e meio ou dois anos do início do ajustamento macroeconômico, foi a colheita das melhoras institucionais que não se faziam sentir devido à desorganização macroeconômica.
A arrumação da macroeconomia correspondia a tirar um bode da sala. O crescimento seguia-se naturalmente. Esse fenômeno não irá ocorrer agora. O motivo é que a nova matriz econômica, o regime de política econômica que vigorou de 2009 até 2014, desorganizou o marco institucional e legal em diversos setores, além de, em tantos outros, ter estimulado sobreinvestimentos com retornos negativos ou muito baixos.
Haverá um longo período de digestão dos investimentos ruins e de arrumação dos diversos marcos institucionais e legais que foram desorganizados.Em termos históricos, estamos num momento que, guardadas as devidas proporções (muito melhores hoje do que antes), assemelha-se à década de 80. Naquela oportunidade, tivemos de arrumar toda a desorganização microeconômica produzida pelo segundo PND do governo Ernesto Geisel e os cinco anos do governo João Figueiredo, que empurrou com a barriga os desequilíbrios geiselistas.
Um bom exemplo desse tipo de problema nos dias de hoje ocorre no setor automobilístico. A indústria brasileira passou a sentir a competição das novas montadoras chinesas. A resposta foi aumentar em 30 pontos percentuais o IPI para os automóveis produzidos fora do Mercosul de montadoras que não cumprissem uma série de requerimentos de produção no Brasil. A resposta das montadoras, principalmente as chinesas, foi instalar-se por aqui. Criou-se um parque produtivo e em crescimento de 5 milhões de veículos anuais para um mercado consumidor que dificilmente absorverá mais do que 2,5 milhões, 3 milhões de veículos por ano. A indústria automobilística brasileira encolherá fortemente nos próximos anos. Além dos prejuízos para as montadoras, haverá forte perda para inúmeros trabalhadores que foram treinados para o setor e terão que se reinventar em outras atividades.
Muito melhor teria sido se, há uns dez anos, tivéssemos aprofundado a abertura do setor. Ele teria que encontrar nichos nas cadeias produtivas globais da indústria nos quais fôssemos competitivos e hoje teríamos uma indústria menor, provavelmente metade do tamanho, mas que conseguiria andar com suas próprias pernas. O que ocorre nesse setor acontece também na indústria naval, no setor de petróleo, na construção civil, no setor sucroalcooleiro e em tantos outros. Sentiremos o peso dos erros do passado. O crescimento robusto demorará a aparecer.
Fonte: Folha de São Paulo, 22/3/2015
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