Os criadores de segunda viagem são fundamentais para o desenvolvimento do ecossistema brasileiro de empreendedorismo, inovação e tecnologia. São donos de startups que aprenderam com seu primeiro negócio — e conseguem cometer menos erros e escalar mais rápido na sua nova empreitada.
Um desses empreendedores de segunda viagem é Igor Senra. Senra hoje é um dos fundadores da fintech para pequenas e médias empresas Cora. Antes, cofundou a startup de meios de pagamento Moip. O negócio foi vendido para a Wirecard em 2016 (parte da PagSeguro hoje).
“O mercado mudou, amadureceu muito. Existe mais competição de fundos por bons empreendedores e bons projetos. Além disso, o fato de estarmos na nossa segunda jornada empreendedora também ajudou muito”, afirma Senra a Pequenas Empresas & Grandes Negócios.
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A seguir, veja quatro erros que Senra cometeu em seu primeiro negócio e que devem ser evitados por todo empreendedor:
1. Abrir mão de grande parte da empresa para investidores
O empreendedor é o coração da empresa. Se ele abre mão de grande parte dela no início, novas conquistas são comprometidas. Além da desmotivação dos próprios empreendedores, diluir ainda mais a participação nas rodadas futuras pode inviabilizar novas captações — fundamentais para que uma startup continue multiplicando seu tamanho.
“Para receber o montante do investidor, a gente abriu mão de uma parcela grande do Moip por quase nada de dinheiro em troca. Esse desequilíbrio foi muito prejudicial para o negócio”, diz o cofundador. Segundo Senra, os fundadores não devem abrir mão de mais de 30% da empresa em sua primeira captação. No Moip, ele e seus sócios abriram mão de mais de 60% da empresa.
Com a Cora, os fundadores foram com mais cautela aos investidores e conseguiram mais dinheiro. R$ 50 milhões foram aportados no banco digital para pequenas empresas na rodada semente, enquanto no Moip os fundadores conseguiram R$ 500 mil.
2. Viver com limitação de caixa
As startups costumam começar com caixa limitado. Foi o que aconteceu durante a criação do Moip. Segundo o cofundador, a falta de recursos forçou ele e seus sócios a tomar decisões que eles sabiam não ser as melhores.
“Tivemos que montar um time super júnior, que ainda era mal remunerado. Com o crescimento da empresa, essa era a turma que tinha que se virar e se transformar em gestores para dar conta do crescimento. Sabe-se lá como”, conta Senra. “Não dávamos muito suporte. A responsabilidade e a urgência transformavam alguns, enquanto outros logo saíam porque não estavam de fato preparados para aquilo. Não tínhamos muito como fazer diferente, com os recursos que tínhamos.”
Era necessário esperar o fechamento do mês para ver o que sobrava de recurso, para então decidir se contratariam mais um desenvolvedor ou mais um vendedor. Na Cora, a atitude foi diferente. A fintech dividiu seus profissionais em dois grupos. O primeiro é de profissionais sênior, com mais experiência e vivência. O outro grupo é de pessoas mais jovens, com menos experiência, mas grande potencial. “Estamos certos que, quando começarmos a escalar, teremos pessoas certas para nos ajudar a lidar com esse crescimento.”
3. Não ter uma cultura bem definida
Senra define a cultura da empresa como a forma como a empresa se comporta quando ninguém está vendo. Com o desenvolvimento da empresa, aumenta o desafio de manter essa cultura. “A cultura acaba tendo traços marcantes dos seus fundadores. Quanto menos pessoas para serem geridas, mais fácil para os fundadores manterem o controle — até mesmo quando eles não estiverem por perto”, diz. “Quanto mais a empresa cresce, mais atribuições os fundadores terão. Isso reduz a interferência deles na cultura.”
No Moip, os sócios demoraram a entender que isso era importante — só aconteceu quando a empresa tinha quase 300 colaboradores. Senra afirma que chegou em um momento em que vários funcionários tinham pouco ou nenhum contato e interação com ele ou com seu sócio.
Eram pessoas contratadas por chefes diretos, que às vezes estavam a dois níveis de distância dos fundadores. “Passaram a ser rotineiras tomadas de decisão dentro da empresa que os fundadores desaprovavam. Era o sinal de que algo estava ruim”, conta.
4. Organizar a estrutura de RH só depois de ter muitos funcionários
A cultura da empresa também fica mais enraizada com um departamento de recursos humanos estruturado. Ter uma área de RH desde o início é fundamental para a saúde da empresa, porque evita más contratações e contribui para a retenção de talentos.
“Não tínhamos uma estrutura de recursos humanos no início do Moip. Nosso RH era mais um departamento que mais pagava folha e escolhia benefícios do que cuidava dos nossos colaboradores. Demoramos muito para fazer algo mais estruturado e isso impactou bastante no futuro, quando a empresa começou a crescer”, afirma Senra.
Na Cora, o diretor para recursos humanos Gustavo Viegas começou junto com a empresa. “Começamos a trabalhar juntos na formatação da primeira versão de cultura. Incluímos os valores que seriam esperados das pessoas, o que facilitou as contratações. O resultado final é incrível”, conclui Senra.
Fonte: “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”, 25/8/2020