Recentemente a editora Três Estrelas publicou o volume “As crianças mais inteligentes do mundo”, da jornalista americana Amanda Ripley. O livro procura entender o que faz os bons sistemas educacionais bons. Bons no sentido de serem capazes de prover educação de elevada qualidade para todos.Educação de elevada qualidade significa que os alunos têm desempenho elevado em testes internacionais de proficiência, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, ou Pisa.
Dois motivos sugerem que o Pisa constitui ótima medida da qualidade educacional. Como Amanda mostra no segundo capítulo do livro, as questões são formuladas para avaliar competências básicas nas soluções de problemas com que nos defrontamos ao longo da vida profissional e pessoal. Não se perde tempo com decorebas e erudição inútil. O segundo motivo é que, até onde é possível haver “comprovação” empírica em ciência social, há sólida evidência de que desempenho elevado em testes como o Pisa resulta em maiores taxas de crescimento. Como já tratei diversas vezes neste espaço, a qualidade da educação é um dos fatores mais importantes a explicar as diferenças de produtividade do trabalho entre os países.
A motivação de Amanda era entender o baixo desempenho dos estudantes americanos. Na edição de 2012 do Pisa, os estudantes dos EUA ficaram na 27ª posição em matemática entre os 34 países da OCDE. A evidência de que havia enorme variabilidade de desempenho – escolas de bairros ricos com desempenho ruim e vice-versa – na sociedade americana e, adicionalmente, de que ao longo de décadas países podiam piorar muito ou melhorar muito sua situação no Pisa sugeriu para Amanda que explicações baseadas em diferenças culturais ou de renda per capita não se aplicavam ou, na melhor das hipóteses, explicavam parte limitada do fenômeno educacional.
[su_quote]Penso que fazer com que as crianças brasileiras aprendam na sala de aula é o maior desafio de nossa sociedade[/su_quote]
Amanda oferece-nos uma viagem para três sistemas educacionais, dois de elevado desempenho, os casos sul-coreano e finlandês, e um que tem apresentado progresso expressivo, o caso polonês. Somos guiados por três adolescentes americanos que viveram e estudaram nos países por um ano. Adicionalmente, Amanda entrevistou inúmeros outros intercambistas – jovens americanos em outros países e jovens de outros países nos EUA –, além de entrevistar pais de alunos, gestores, técnicos que criaram o Pisa e de ter consultado a produção acadêmica relevante. O livro não apresenta o mapa do tesouro para chegar à educação de qualidade para todos.
Qualquer pessoa que já gastou algum tempo nesse tema descobriu que não há bala de prata e que as soluções serão locais e a partir do que se tem. Mas há alguns princípios gerais que são comuns aos sistemas bem-sucedidos. Um deles é o recrutamento. Bons sistemas educacionais são aqueles em que o recrutamento do professor é altamente seletivo. Somente os melhores alunos do ensino médio são aceitos nos cursos preparatórios para a carreira do magistério. Um segundo princípio é haver elevada expectativa sobre o resultado e cobrança estrita de desempenho. É necessário dar importância ao que é importante. Amanda notou que nos EUA muitas vezes o professor de matemática não é formado na disciplina, mas teve matemática como carreira subsidiária na faculdade. Adicionalmente, os professores americanos têm o hábito de elogiar os estudantes mesmo quando o desempenho não é bom, o mesmo ocorrendo com os pais.
As baixas expectativas do sistema – pais, professores e gestores– sobre o desempenho dos filhos, especialmente o dos alunos negros e pobres, constitui poderosa armadilha de pobreza. Elevadas expectativas têm de vir acompanhadas por capacidade de recuperação. Na Finlândia, um dos melhores sistemas educacionais, segundo o Pisa, metade dos alunos com 17 anos em algum momento da vida escolar necessitou de aulas especiais e de recuperação. Nem por isso ficaram estigmatizados. Vale lembrar que até Pelé já foi para o banco. Penso que fazer com que as crianças brasileiras aprendam na sala de aula é o maior desafio de nossa sociedade. O volume de Amanda é ótima fonte de inspiração. Para os que gostarem, o próximo passo é o excelente volume de João Batista Araujo e Oliveira “Repensando a Educação brasileira”, da editora Salta.
Fonte: Folha de São Paulo, 18/1/2015.
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