No momento em que o país tenta a todo custo atrair investimentos para voltar a crescer, os empresários fazem contas para ver se o “custo Brasil” compensa as apostas no país. Nas planilhas, não estão apenas os famosos gastos com infraestrutura precária ou burocracia. As constantes cenas de violência e a sensação de falta de segurança pesam cada vez mais na decisão. Não é para menos. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), feito a pedido do GLOBO, mostra que crimes violentos e a escalada dos gastos com segurança privada consomem pelo menos R$ 130 bilhões das empresas brasileiras por ano: dinheiro que poderia aumentar a produção. O seu desperdício torna o produto brasileiro mais caro e, consequentemente, menos competitivo.
O montante equivale a mais de 14 vezes o orçamento empenhado este ano para a segurança no Estado do Rio, de R$ 8,8 bilhões.
Episódios recentes da crise de segurança pública no Rio, como os que ocorreram no último fim de semana, com a queda do helicóptero na Avenida Ayrton Senna, que resultou na morte de quatro policiais militares, e o resgate por familiares de sete corpos na Cidade de Deus resultaram numa multiplicação de boatos em redes sociais que assustaram a população.
Eventos como estes também têm implicações econômicas, à medida que amedrontam empresários interessados em instalar ou aumentar a produção do Brasil. O que poderia ser o timing ideal para aproveitar a crise e ganhar mercado, torna-se uma prova de resistência do empresariado, que viu os custos crescerem e o lucro cair na atual recessão.
É o caso da empresária Sandra Maia, representante de uma fábrica de móveis. Seu galpão com showroom e estoque fica no Setor de Indústria de Brasília, ao lado do centro de progressão penitenciária, que abriga condenados pela Justiça. Ela diz que a área é perigosa no fim do dia, quando cai o movimento. Não são poucas as histórias de furtos.
Mesmo assim, por causa da crise, dispensou o segurança e passou a fechar a loja duas horas mais cedo: impreterivelmente às 18 horas. Para não perder venda, até pode passar um pouco do horário, mas sempre com as portas cerradas.
Sandra não conseguia mais arcar com um segurança. Por isso, permaneceu apenas com o circuito interno de câmeras, do alarme e do monitoramento. Isso corresponde a 2% do faturamento da empresa.
— É uma realidade triste do país. A gente tem de cuidar do que o Estado não cuida — resume.
Escolta armada, câmeras e segurança
Seu lamento só não é maior, porque não há preocupação com o roubo de cargas. Afinal, brinca a empresária, ninguém vai querer roubar um monte de madeira cortada sob encomenda. Não é o caso da indústria de telecomunicações, que sofre com o furto de cargas de cabos de cobre. Até mesmo os que já foram enterrados são roubados.
Apenas com esse tipo de ocorrência, o setor perde R$ 320 milhões por ano. Parte dos 4 milhões de metros de cabos roubados vai parar em lixões, como o de Brasília, onde são derretidos e revendidos. Segundo o SindiTelebrasil, com esse valor seria possível a instalação de mais de 640 antenas de telefonia celular no país. Para evitar perdas assim, a saída é recorrer à escolta armada, contratar segurança, comprar câmeras e aderir ao monitoramento.
— Isso é um problema sério na atração de investimento. É o mesmo efeito da burocracia. Faz com que eu pegue recursos que deveriam ir para a produção e direcione para a segurança, que não é a atividade-fim — avalia o gerente executivo de Pesquisa e Competitividade da CNI, Renato da Fonseca. — É um tema que vem aparecendo nas reuniões com empresários. Ainda mais neste momento de atração de investimentos.
Alguns setores tiveram mais sorte, como o de tecnologia da informação. Por causa dos recentes avanços tecnológicos, o empresário pernambucano Patrick Gouy conseguiu cortar as despesas com segurança, que consumiam 3% do faturamento da empresa, no Porto Digital do Recife. Atualmente, os gastos são considerados residuais, porque o parque de servidores foi vendido. Agora, todos os dados dos clientes, que compram software de administração de pessoal, ficam na nuvem. Isso poupa cerca de R$ 30 mil mensais com seguranças particulares e seguros: dinheiro suficiente para contratar três novos desenvolvedores, o que aumentou em 10% a produtividade da companhia.
— A gente não gasta mais com um backup, segurança e seguro dos servidores. A tecnologia ajudou muito — afirma Patrick. — É bem diferente de outros setores. Nossa situação não se compara com a de um amigo que tinha uma transportadora, dependia de escolta armada e decidiu até sair do negócio.
Vandalismo e roubo de carga
Segundo o estudo da CNI, entre 2010 e 2015, o número de ocorrências de roubo e furto de carga no Brasil cresceu 64%. Esse é um dos principais pesos para as empresas, que também perdem com o vandalismo. Para medir o quanto o custo da falta de segurança pública pesa na contabilidade das empresas, os economistas da CNI cruzaram dados de uma pesquisa do Banco Mundial — que mostra que 4,2% do faturamento anual de empresas não-agrícolas são usados para cobrir os custos com segurança e perdas com roubo e vandalismo — com informações do IBGE. Assim, chegou ao valor de R$ 130 bilhões anuais.
— Isso tudo é custo Brasil. É um gasto de Estado que a iniciativa privada tem de fazer. É um custo significativo para as empresas, que reflete a incapacidade do Estado de prover um bem básico — argumenta o economista-chefe da corretora Gradual, André Perfeito. — É um custo de transação, que não gera valor.
Além de uma análise do quadro de insegurança, a CNI usou números de uma outra pesquisa para ilustrar a piora do Brasil nos últimos anos. Segundo um levantamento do World Economic Forum, os custos para as empresas do crime e da violência são elevados há quase uma década. Desde 2006, início da série histórica, o país está entre os 25% com pior desempenho no ranking mundial do indicador. Entre 2012 e 2015, o indicador caiu de 3,48 para 2,87 (em uma escala de 1 a 7).
— A grande empresa não tem o que fazer e mantém o gasto com segurança. A pequena até corta e passa a correr risco, mas o gasto não diminui porque aumentam as ocorrências com roubo de carga e vandalismo — ressalta Renato da Fonseca, da CNI, que lembra que a crise atual, por si só, agrava o cenário de violência.
Com menos emprego e renda, a população passa a recorrer ao mercado informal. Esse mercado ainda é abastecido por cargas roubadas:
— Não é o trabalhador que perdeu o emprego e começa a assaltar. São os consumidores se voltando para mercadorias mais baratas — resume Fonseca.
Fonte: O Globo.
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