Samuel Pessôa, sócio e economista-chefe da gestora Reliance, e pesquisador associado do Ibre-FGV, diz que o recuo do consumo das famílias mostra que há um caráter de ajuste estrutural na atual recessão. Por outro lado, o resultado do PIB do terceiro trimestre, junto com revisões, indica para ele que a economia está traçando um desempenho em formato de V, mais profundo do que se julgava, o que significa mais queda em 2015, não mexe com a projeção de 2016, mas melhora um pouco a de 2017.
O que o sr. achou do resultado do PIB do terceiro trimestre?
Foi mais ou menos próximo ao esperado pelas projeções do Ibre, um pouco pior. Trata-se da continuidade do processo recessivo. Nós estamos vivendo uma crise econômica muito forte, com componentes políticos extremamente importantes – isso já é algo bem sabido, e o resultado de hoje não parece mudar nada de fundamental nessa história.
O sr. destacaria algum aspecto dos componentes do PIB?
A minha impressão é que a crise chegou para valer no consumo das famílias. Na comparação dos três primeiros trimestres de 2015 com igual período de 2014, o consumo das famílias recuou 3%, mas quando a gente compara apenas o terceiro trimestre deste ano com o terceiro do ano passado, o recuo foi de 4,5%. Além disso, registra-se o terceiro trimestre consecutivo de recuo do consumo das famílias na comparação dessazonalizada com o trimestre imediatamente anterior: -1,5% no terceiro trimestre, -2,4% no segundo e -2% no primeiro. É algo não registrado desde 1996.
Qual é a sua interpretação?
O consumo das famílias era o componente da demanda mais resistente, e é também o maior componente da demanda. Para mim, isso indica um processo mais estrutural de ajuste do consumo e da despesa nessa recessão. De certa forma, vemos agora ser paga a conta dos excessos e dos erros incorridos durante os anos de euforia. A economia adapta-se a duras penas a viver com menos.
O sr. destacaria outros pontos?
O investimento está em situação muito ruim. Mas ele piorou pouco em relação à tendência negativa já prevalecente. Quando se compara a formação bruta de capital fixo (FBCF) acumulada nos três trimestres de 2015 com igual período de 2014, a queda é de 12,7%. Já a queda no terceiro trimestre, na comparação com o terceiro de 2014, foi de 15%. Um setor da oferta que me chamou a atenção foi a agropecuária. Ela caiu 2,4% ante o trimestre anterior, na comparação dessazonalizada. No segundo trimestre, já havia caído 3,5%. Não é muito comum duas quedas seguidas da agropecuária. Não tenho base para especular sobre as causas, mas é um ponto que vale a pena ser melhor pesquisado.
A construção civil foi um dos poucos itens em que o resultado veio particularmente diferente da previsão do Ibre, não?
De fato. Nós previmos queda de 13,23% no terceiro trimestre ante igual período de 2014, e o recuo foi de 6,29%. Aparentemente, o ajuste da construção civil pode já ter sido feito em boa medida.
O que os resultados nos dizem sobre o futuro da economia?
Temos de levar em consideração que os resultados incorporaram revisões dos anos anteriores – de certa forma, repaginando a história recente da queda da economia. Na verdade, a sensação é de que temos agora um V mais pontudo, o que é ruim para o resultado de 2015, neutro para o de 2016, mas pode indicar uma pequena esperança para 2017.
O sr. poderia explicar melhor?
Os resultados e as revisões indicam que a queda no primeiro semestre foi um pouco mais forte do que se julgava. É como se a ponta do V fosse um pouco mais profunda do que se achava. Não quero dizer que já estejamos em recuperação, como normalmente se interpreta a segunda perna do V. A possibilidade que aponto é de que neste segundo semestre já ocorra uma devolução em relação aos extremos negativos das taxas do primeiro trimestre. Resumindo, cai mais no primeiro semestre, devolve mais no segundo. Na composição do ano, isso vai piorar o resultado de 2015. Nossa última projeção é de -3,3%. Acho que agora tem chance de ser revista para baixo, quem sabe para algo como -3,7%.
Mas de onde saiu a devolução do segundo semestre?
De fato, ela não está na taxa fechada dessazonalizada do PIB, na comparação com o segundo trimestre, de recuo de 1,7%. Mas quando analisamos a dinâmica dos componentes à luz de informação que temos do quarto trimestre, vemos aquela tendência. Estamos revendo a projeção do quarto trimestre para -0,7%, de -1%.
Se a economia ficará ‘menos pior’ no segundo semestre, isso não deveria melhorar a projeção para 2016?
Nossa projeção para 2016 é de -3% e, por enquanto, penso que deve ficar por aí. Os resultados de hoje trouxeram duas mudanças, que se contrabalançam. Por um lado, uma queda do PIB maior em 2015 cria um carregamento estatístico negativo pior para 2016. Por outro lado, a “devolução” pode levar a resultados de 2016 menos ruins. Talvez a economia alcance o crescimento zero, vindo do território negativo, no segundo trimestre de 2016. Mas, como os dois efeitos descritos acima têm sinais contrários, eles meio que se anulam, e me parece que a projeção para 2016 fica onde está.
E 2017?
Bem, aí sim, melhora, é uma pequena boa notícia. Ainda não tem como fazer uma projeção confiável para 2017. Muita coisa pode acontecer até lá, inclusive na área política. Mas analisando apenas os resultados do PIB e as revisões, eu diria que melhorou um pouquinho minha visão sobre 2017.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 01/12/2015.
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