Para Cassiano Machado que sugeriu o titulo.
Ando obcecado por uma certeza. A certeza mais absoluta e certamente doentia de que não há nada de novo no mundo público brasileiro. Enquanto as coisas da casa se renovam — pessoas se casam, as crianças crescem, a morte faz o seu triste e inevitável serviço, a hera cobre de verde as paredes — no universo da rua, as redundâncias me perseguem.
Os mesmos carros atropelam os mesmos pedestres e furam os mesmos sinais. A notável ausência da polícia nas cidades dominadas por bandidos.
As velhas malandragens dos políticos com suas caras de pau mais do que batidas, desmoralizando e ilegitimando nossas instituições públicas.
Procuro novidades, mas tudo me leva a velhas histórias com começos e desenlaces conhecidos. Só as péssimas notícias parecem novas, mas, quando delas me aproximo, vejo logo que elas nada mais são do que os fatos de sempre: as ruas se esburacam, os governantes sumiram, a sociedade serve para aristocratizar os administradores públicos, os traficantes fazem a agenda da cidade, os crimes não tem solução, e as soluções são evitar solução. Como construir muros educados em vez de encarar o desafio de domesticar a velha explosão das favelas; ou dos mijões, já que estes, com a idéia de terem muro fabricado especialmente para suas funções urinárias, poderão mijar dos seus dois lados. Será o nosso venerável Muro do Mijo. Cada povo tem o muro que merece…
A coluna está em crise porque todo santo dia eu leio a mesmíssima história. O rapaz se elege vereador cuidando do povo. O vereador (mais do que o rapaz) encontra recursos públicos. Os recursos (mais do que o vereador e o rapaz) entram no bolso do político (que nasceu de um cruzamento entre o rapaz, o vereador), a centralização dos recursos públicos e a noção estabelecida e jamais politizada segundo a qual aquilo que é publico não é de ninguém, porque pertence aos seus “cuidadores”. O político é denunciado.
Surgem muitas versões. Logo descobrimos que todos tem razão. A irracionalidade toma conta. O processo fica com 250 mil paginas e torna-se ilegível. A oposição, que gritava, tem que calar porque ela tem vários políticos que fizeram a mesma coisa.
O rapaz-político, hoje um velho decadente de um partido reacionário que, um dia, foi contra a ditadura (quem, aliás, não foi contra ela?); que usa ternos caros e bem cortados, e não paga um táxi ou despesas pessoais faz uns trinta anos, multiplica o seu patrimônio construindo castelos de verdade! Enquanto isso, o Brasil vai vivendo suas marolinhas. Sua sensatez de ferro lhe diz que, apesar de tudo, temos avançado, embora não saibamos para onde. No final, temos o glorioso unhappy end de uma justiça sem o bronze do ajuste das contas morais; de um sistema político que não tem nojo de se repetir; de uma total incapacidade de politizar costumes aristocráticos (e não apenas patriarcais ou cordiais), para fazer valer a lei que nivela e controla.
Quem poderia pensar num modo melhor de ilegitimar instituições e a própria idéia de democracia? Nossa inocência positivista e o nosso marxismo vitoriano, lido via Engels, continuam acreditando que podem acabar com o nepotismo e o “Você sabe com quem está falando?” reveladores da importância da solidariedade do poder, com mais uma lei (devidamente aprovada pelo Congresso).
Em vez de discutirmos o costume, achamos melhor e mais fácil produzir uma lei contra ele. Com isso nos livramos da responsabilidade de praticá-lo, pois se ninguém nos pega (já que isso não é mais problema nosso, mas da policia…), não temos com que nos preocupar pois a vergonha, diferentemente da culpa, só aparece quando somos pegos e “todo mundo” sabe. Temos, então, essa pletora de leis que redundantemente combatem costumes que, por seu turno, se reforçam e guerreiam as leis, ficando ainda mais fortes e legítimos, como disse, faz trinta anos, no meu livro “Carnavais, malandros e heróis”, que trata justamente dessa relação de ódio e amor que nós — barõezinhos, filhinhos de papai-patriarcafazendeiro e também parlamentar ou juiz — temos com a lei que cuidadosa e orgulhosamente fazemos valendo para todos, menos pra nós.
Disse um grande escritor que para mudar uma história é preciso, em primeiro lugar, escrevê-la. É o que faço por meio de uma coluna em crise.
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