Eles têm 20 e poucos anos, sonham com independência financeira, querem mudar o mundo e sentem na pele os efeitos da crise ao procurar emprego. Essas são algumas das características de um grupo que vem crescendo nos últimos anos: jovens que optaram por abrir o próprio negócio, em vez de disputar vagas numa grande companhia.
A taxa de empreendedorismo entre quem tem de 18 a 24 anos saltou de 16,2%, em 2014, para 20,8%, em 2015 (último dado disponível). Ou seja, mais de um quinto dos jovens nesta faixa etária criam o próprio negócio. Em 2007, o percentual era de apenas 10,6%. Para especialistas, a maior recessão da história do país e fatores culturais explicam o aumento.
Os números são do Monitor Global de Empreendedorismo (GEM, na sigla em inglês), projeto capitaneado pelo Babson College, dos EUA, e a London Business School. Segundo Tales Andreassi, vice-diretor da Escola de Administração de Empresas da FGV e um dos coordenadores do GEM, o número de empreendedores é alto porque a pesquisa considera também os que fazem atividades em paralelo:
— Se o jovem tem um emprego, mas faz comida para fora ou vende doces, também é um empreendedor.
Andreassi destaca que o empreendedorismo pode ser uma alternativa à juventude sem emprego na crise:
— Esse fenômeno não necessariamente é positivo. Países com altas taxas de empreendedorismo são geralmente os mais pobres, por causa da falta de emprego. E, no Brasil, vimos que o chamado empreendedorismo por necessidade subiu em 2015, com a crise.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, a taxa de desemprego na faixa de 18 a 24 anos chegou a 25,9% no fim de 2016. No total, o país tem hoje 13,5 milhões de desempregados.
—É claro que existe uma tendência, quando a pessoa está sem emprego, de tentar o trabalho por conta própria — avalia José Márcio Camargo, economista e professor da PUC-Rio.
“O que é segurança hoje em dia?”
Lhan Leal, de 27 anos, fez parte das estatísticas. Formado em jornalismo, trabalhou numa emissora de TV, de onde foi demitido em 2014. Ficou sem emprego por oito meses, período em que passou a se interessar por empreendedorismo.
Na época, chegou a se envolver com uma start-up, mas o projeto foi interrompido quando conseguiu outra vaga, dessa vez num banco. Um ano e meio depois voltou a ser demitido. Foi aí que abraçou de vez a ideia de ser seu próprio chefe. Aprendeu a fazer sorvete, reuniu dois amigos e hoje toca o food truck Borabora Gelateria:
— Não tenho tanto medo, porque o que é segurança hoje em dia? Nessa crise, podemos perder o emprego. Tenho sempre que me esforçar para fazer meu trabalho.
Para especialistas e consultores, casos como o de Lhan mostram que a crise impulsiona uma mudança cultural no jovem que entra no mercado de trabalho.
Busca por consultorias
Lyana Bittencourt, diretora do Grupo Bittencourt, consultoria especializada em franquias, percebe a mudança no dia a dia. Há duas décadas, seu público era formado, principalmente, por executivos em fim de carreira em busca de um plano B para a aposentadoria. Hoje, esse espaço foi tomado por jovens.
A coordenadora do Sebrae Carla Teixeira Panisset considera que a tendência deve ser mantida, mesmo depois que o mercado de trabalho começar a se reaquecer:
— A mudança veio para ficar. Cada vez mais os jovens pensarão no empreendedorismo como oportunidade de trabalho. Temos a internet como vitrine para iniciativas que acabam virando negócios e o ambiente de economia colaborativa, que incentiva o empreendedorismo.
“Infelizes de segunda a sexta”
Foi na internet que João Paulo Martins, de 24 anos, e João Lira, de 22, encontraram espaço para transformar uma oportunidade de negócio em empresa sólida o suficiente para fazer com que deixassem de lado empregos promissores. Lira fazia estágio numa consultoria, e Martins atuava numa multinacional. Largaram tudo para fundar a Hashtag Treinamentos Universitários, especializada em aulas para universitários que buscam estágio.
— Tiro pelo meu negócio cinco vezes o que recebia na empresa — diz João Lira.
A principal motivação, diz Martins, foi a busca por mais flexibilidade no trabalho e realização profissional:
— Vejo muitas pessoas que chamo de infelizes de segunda a sexta. São aqueles que se conformaram em trabalhar em algo que não gostam, que nem paga mais tão bem, mas se acomodam e não têm coragem de tocar seus próprios negócios.
Sócio da Barkus, especializada em educação financeira para jovens, o estudante de economia da UFRJ Marden Rodrigues, de 21 anos, considera a satisfação profissional fundamental. Seu negócio ainda não gera retorno financeiro: ele ganha um terço do salário de seu último emprego.
A empresa oferece cursos, palestras e está implantando um serviço de orientação personalizada sobre finanças pessoais. Há pacotes para pessoas físicas e empresas, além de bolsas — uma opção para que o negócio tenha impacto social.
— A gente chegou à conclusão de que o jovem não está tão preparado para lidar com diversas situações financeiras que exigem maturidade, como consumo exagerado e oportunidades de crédito que podem ter consequências ruins — explica.
Marden garante que não se vê trabalhando como assalariado:
— Vejo a Barkus crescendo como negócio on-line, que vai andar sozinho, e aí vou cair de cabeça em outro projeto. A rede vai aumentando.
Falta incentivo na faculdade
O empreendedorismo está em expansão, mas ainda é pouco incentivado nas universidades brasileiras. Segundo pesquisa realizada pela Endeavor e pelo Sebrae no ano passado, só 36% dos alunos ouvidos em 70 instituições de ensino estão satisfeitos com as iniciativas de empreendedorismo nas faculdades, percentual menor que o apurado entre professores, que chega a 65%. Para a entidade, o resultado mostra um descompasso entre o que os centros universitários oferecem e o que os estudantes esperam.
Um dos principais problemas apontados pelo levantamento é a falta de disciplinas voltadas para a capacitação de quem quer abrir o próprio negócio. Segundo a pesquisa, 54,4% das disciplinas de empreendedorismo oferecidas têm como tema a “inspiração para empreender”. Já as cadeiras mais práticas, que ensinam, por exemplo, a construir um plano de negócio ou gerenciar uma rede de franquias, representam só 6,2% dos cursos.
Carolina da Costa, diretora do Centro de Empreendedorismo do Insper: “As pessoas querem autonomia”
— A universidade não tem a estrutura de apoio para toda essa jornada completa do empreendedor. A pesquisa mostra que 56% dos alunos acreditam que iniciativas na universidade poderiam ajudar na formação do empreendedor, mas apenas 38% das universidades mapeadas oferecem isso — destaca Lucas Yuki Nakauchi, gerente regional da Endeavor Brasil.
Carla Teixeira Panisset, coordenadora do Sebrae, lembra que a qualificação é importante para definir as chances de sucesso de um empreendimento:
— O fato de o jovem ter menos experiência coloca um risco maior. Mas isso pode ser minimizado com a preparação para empreender.
Impulso da empresa júnior
Sócio de dois colegas da UFRJ, o empresário Marden Rodrigues, um dos fundadores da Barkus, acredita que o ambiente universitário foi importante no desenvolvimento do negócio. Ele destaca, porém, que sentiu falta de um incentivo direto.
— O que tem é a parte de networking com as pessoas. Na universidade, você tem muita gente boa que ainda não está comprometida com um projeto específico. Isso gera muita sinergia — afirma.
Hoje no sétimo período de economia, Marden cursou uma disciplina opcional em que aprendeu a montar um plano de negócios. Ele se considera sortudo, já que a cadeira está relacionada ao seu curso. O jovem defende que mais estudantes tenham acesso à capacitação para empreender.
— Tive sorte. Estou numa faculdade de economia. Minha namorada faz biomedicina e isso não passa nem perto da cabeça dela. A universidade pública peca um pouquinho porque, pela própria missão, acaba sendo um pouco academicista. As pessoas se formam para contribuir para a academia. Sendo que existem diversas formas de contribuir com a sociedade, e empreender é uma delas — afirma.
Para João Lira, um dos sócios da Hashtag Treinamentos, a experiência universitária foi importante para o desenvolvimento do negócio. Originalmente, a start-up era uma empresa júnior, vinculada à faculdade.
— Devo muito ao aprendizado que a empresa júnior me proporcionou. Antes da minha experiência lá, nunca tinha pensado em montar minha própria empresa. Até mesmo as ferramentas que ministro aula hoje, como o Excel, aperfeiçoei trabalhando neste projeto — conta João.
86% sem preparo na escola
Presidente do Conselho Nacional de Jovens Empreendedores (Conaje), Fernando Milagre avalia que a falta de capacitação é o principal obstáculo para quem quer empreender. Segundo pesquisa da entidade, também de 2016, 86% dos jovens relatam que não tiveram qualquer tipo de preparação ou qualificação para tocar uma empresa:
— Um dos grandes problemas é a educação empreendedora. O jovem tem logicamente muito menos vivência, muito menos experiência de mercado. Toda relação de mercado para ele é muito mais fraca do que a de um empreendedor mais experiente. A gente tem que sempre brigar pra capacitar — diz Milagre.
Empreendedorismo jovem e cultura maker
Sócio da Redpoint, empresa de venture capital — especializada em investir em start-ups —, o engenheiro Manoel Lemos é um entusiasta do movimento maker no Brasil. A cultura incentiva pessoas a construírem objetos — de mesas a robôs — com as mãos. O empresário vê relação entre o empreendedorismo jovem e a cultura maker.
Rafael Coffani, da Distrito Makers, fala sobre o movimento maker, inovação e internet das coisas
Como sócio de uma firma de “venture capital”, vê interesse de jovens por abrir o próprio negócio?
Cada vez mais os jovens se interessam pelo empreendedorismo como carreira. Quando me formei, em 1997, em Engenharia, parcela muito pequena dos alunos queria empreender. Hoje, a gente sente que a maioria quer seu próprio negócio. É um caminho viável de carreira, por várias razões: há mais exemplos de sucesso e mais atenção a esse assunto.
Qual relação entre empreendedorismo e o movimento “maker”?
O movimento maker nasce sem pretensão de business. É quase subcultura, de que eu não preciso comprar tudo pronto, querer fazer as coisas com as próprias mãos. Mas, muitos desses makers veem que isso é um caminho para criar um negócio. Por que não vender esse produto? Acho que são coisas bem conectadas.
E como transformar essa cultura em negócio?
Começa no meio deles: um amigo gostou, outro gostou e aí você pensa: “por que não fazer isso em escala?”
Há mais jovens no movimento “maker”?
Não. É bem misturado. São pessoas experientes que estão passando os conhecimentos para a garotada. Há estímulo em algumas escolas para que crianças se aproximem do movimento. Há uma meninada bem novinha brincando com robótica.
A universidade é um ambiente para isso?
Sim. São pessoas que desenvolveram uma linha de pesquisa e, quando se formam, resolvem dar o próximo passo. Vemos muito isso na área de software.
Fonte: “O Globo”.
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