Todos sabem que a era Lula melhorou a vida das pessoas da porta para dentro. O consumo aumentou, milhões de brasileiros ascenderam de classe social, o desemprego caiu para patamares mínimos, e a inflação estava razoavelmente sob controle.
No entanto, em 2013, e às portas da reversão do cenário econômico, o Brasil foi às ruas por conta de episódios em São Paulo com o transporte público. Na sequência, as manifestações foram turbinadas por uma ampla e generalizada insatisfação com a corrupção, a baixa qualidade da educação, a ineficiência e a precariedade dos serviços públicos, entre outros temas.
Em junho de 2013 ainda não estavam presentes os dramáticos índices de recessão, inflação e desemprego, ora existentes. Mesmo assim, os brasileiros foram às ruas com um vigor e uma intensidade inusitados, com base em temas “porta para fora” na vida do cidadão.
Agora, vivemos uma crise que afeta tanto a vida fora das casas quanto a vida dentro delas. Continuamos a ter serviços públicos precários e controlados pelo perverso espírito corporativista. Temos governos estaduais quebrados e o país em crise fiscal.
A crise arrombou portas e janelas e está sendo percebida como um amargo adeus às conquistas da era Lula. Vejamos os índices: a inflação acumulada entre janeiro e outubro de 2015 é a maior desde 2003; o desemprego é o maior desde o início do século XXI; milhões de brasileiros podem sair da classe média e voltar para as classes D e E.
Muitos que estão sendo demitidos agora ainda vão ter alguns meses de seguro-desemprego pela frente. Depois, nada. Nem seguro, nem emprego. A inflação dos alimentos nos últimos 12 meses foi superior a 60% e continuará a castigar o consumidor. A combinação de recessão e inflação é, de longe, a mais perversa de todas para as classes populares.
Para o búlgaro Elias Cannetti, Prêmio Nobel de Literatura, a inflação causa um efeito perturbador tão grave quanto a guerra. Ele viveu o horror, ainda menino, da crise que devastou a Alemanha na década de 20. “Foi na época em que a inflação atingiu o auge; o salto diário que, afinal, chegou ao bilhão tinha consequências extremas para todos”, recordaria, anos mais tarde.
Entre 1974 e 1994, os brasileiros também viveram a amarga experiência da destruição do valor da moeda provocada pela superinflação. Foram 20 anos de guerra para que a consciência da sociedade derrotasse o pior inimigo que o país enfrentou em sua história.
Hoje percebemos, estarrecidos, que a lição não foi aprendida. Desde a eleição, o Brasil flerta com o perigo. Jogou no lixo a Lei de Responsabilidade Fiscal, mostra-se incapaz de cortar R$ 70 bilhões em um Orçamento de R$ 1,4 trilhão, perde aos poucos o controle sobre o câmbio e demora a atuar decisivamente para restabelecer a confiança na economia.
Fica claro que as condições que estão sendo criadas agora podem resultar em um 2016 de grande complexidade, já que os efeitos da conjuntura adversa ainda não são totalmente sentidos na sociedade e a saída da crise ainda não está sendo desenhada de forma clara.
A combinação das crises dentro e fora das casas prenuncia risco de convulsões sociais tão graves quanto as que ocorreram em 2013. Os ingredientes já estão na panela, e o fogo está alto. Tudo pode acontecer se não houver uma ação decisiva para que se estabilizem as expectativas com iniciativas concretas de ajuste fiscal e crescimento econômico.
Fonte: “O Tempo”, 06/01/16
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