epois de fazer mais de 30 entrevistas e procurar emprego por um ano e meio, Cael Horta, formada em marketing, decidiu trabalhar por conta própria em 2016. Sem dinheiro e com um financiamento imobiliário para pagar, abriu uma agência de marketing digital em São Paulo. Hoje trabalha em casa, sozinha, e fatura entre R$ 3 mil e R$ 4 mil por mês.
“Eu tinha um bom currículo e não entendia por que não era contratada. Era só o meu marido para pagar todas as contas, eu tinha urgência em voltar a trabalhar”, lembra Cael.
Assim como ela, muitos brasileiros que perderam o emprego na crise enxergaram no empreendedorismo a saída para voltar ao mercado de trabalho. Segundo o Sebrae, 11,1 milhões de empresas foram criadas por necessidade nos últimos 3,5 anos no Brasil.
O “G1” vai contar algumas histórias de negócios que nasceram na crise nos próximos dias em uma série de reportagens.
A crise econômica fez crescer o chamado empreendedorismo por necessidade, que estava em queda nos anos tempos de crescimento da economia. De 2014 para cá, quando o Brasil mergulhou em uma recessão, uma parcela maior de pessoas abriu uma empresa por falta de trabalho – e não porque encontraram uma boa oportunidade de negócio.
O percentual de novas empresas (com até 3,5 anos) criadas por necessidade saltou de 29% em 2014 para 43% em 2015, e se manteve praticamente estável em 2016. Os números são de um estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e contemplam negócios registrados e empreendedores informais.
De acordo com o estudo, havia cerca de 48,2 milhões de empreendedores no país em 2016, dos quais 26,2 milhões tinham começado a empreitada há menos de 3,5 anos – 11,1 milhões deles por necessidade.
“Tem muito plano que estava na gaveta e foi colocado em prática agora, muita gente fica esperando para se arriscar só na hora que realmente tiver que assumir risco”, diz o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos.
Onda de MEIs
A grande maioria das novas empresas é um microempreendedor individual (MEI), ou seja, uma pessoa que trabalha por conta própria e se formalizou como pequeno empresário.
A representatividade dos MEIs no mercado cresceu junto com o desemprego. Das 955,3 mil empresas abertas entre janeiro e maio deste ano, 79,2% eram MEIs, segundo dados da Serasa. Em 2013, essa parcela ficava em 42%.
“São pessoas que infelizmente perderam seus empregos e tiveram que se virar”, avalia Luiz Rabi, economista da Serasa.
No fim do primeiro trimestre deste ano, mais de 14 milhões de pessoas estavam fora do mercado de trabalho no país, conforme dados IBGE. Em junho, o número caiu para 13,5 milhões, mas com aumento da informalidade. Em dezembro do ano passado, existiam 12,3 milhões de brasileiros desempregados e, três anos antes, o número não chegava à metade disso.
Ao se formalizar como MEI, o profissional autônomo continua a contribuir com o INSS e tem acesso a linhas de crédito para empresas, que em geral têm taxas de juros mais baixas do que as cobradas no crédito pessoal.
A nova empresária Cael Horta foi uma das que optaram por se tornar microempreendedora individual desde que criou sua agência. “Foi ótimo ter me formalizado, porque como MEI tenho direito a um salário maternidade por 120 dias”, diz ela, que em junho deu à luz seu primeiro filho, aos 26 anos.
Baixo investimento
De acordo com a Serasa, a maioria dos MEIs fornece serviços que precisam de baixo investimento inicial e dependem apenas da mão de obra do empreendedor.
“São serviços de baixíssima tecnologia, que não precisam de máquinas caras, não demandam ponto comercial. O empreendedor consegue montar o negócio com pouco dinheiro, ele pega a indenização [recebida na demissão] e investe”, explica Rabi.
Cael, por exemplo, cria sites, faz gestão de redes sociais e desenvolve campanhas e materiais de divulgação para outras pequenas empresas.
“Neto de aluguel”
O engenheiro civil Aloísio Melo, de Vitória, no Espírito Santo, também teve que inventar uma nova forma de ganhar de dinheiro ao ser dispensado da empresa em que trabalhava há 12 anos em maio.
Para não ficar parado, ele começou a trabalhar de motorista do Uber na semana seguinte à demissão. Mas achou o trabalho inseguro e passou então a fazer serviços de transporte particular, para conhecidos, alguns deles idosos. Foi aí que nasceu a ideia do negócio: ser “neto de aluguel”.
Além de levar os clientes aonde eles precisam, Melo os ensina a usar o celular, o computador e as redes sociais, por exemplo. O negócio é informal e toda a divulgação é feita pelas redes sociais.
Melo diz que gosta do trabalho como “neto de aluguel”, mas admite que a nova empreitada é temporária. Seu plano é voltar para a engenharia e prestar esse serviço só nas horas livres, para ter uma renda extra.
“Estou mandando currículos para empresas que têm vaga com o meu perfil, mas são poucas, muito poucas”, conta. Com 46 anos, já tem pós graduação em gestão empresarial e engenharia de segurança no trabalho.
O engenheiro diz que ainda não conseguiu calcular quanto já ganhou como neto de aluguel, mas que a quantia está bem abaixo de seu último salário. “Acho que nunca vou chegar ao quanto eu ganhava antes”, afirma.
Luta para sobreviver
Se os novos empreendedores se livraram do fantasma do desemprego, eles agora têm outro problema: fazer seu negócio vingar. Segundo o Sebrae, 23% das empresas no Brasil fecham as portas nos dois primeiros anos.
Com mais pessoas desempregadas e sem dinheiro para gastar no país, o movimento do comércio diminuiu. Muitas empresas não conseguiram sobreviver a essa realidade.
Os pedidos de recuperação judicial e falência cresceram no ano passado e os pequenos negócios foram os mais afetados, de acordo com dados da Serasa.
O presidente do Sebrae reconhece que o momento é difícil para as empresas.”Estamos em uma crise muito séria, não adianta falar que tudo está a mil maravilhas.”
Fonte: “G1”
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