Sufocado pela banalização das medidas provisórias, aviltado pelas barganhas do afilhadismo e das emendas parlamentares ao Orçamento e desgastado por práticas de liberalidade nos gastos de responsabilidade dos parlamentares, o Legislativo brasileiro vive sua crise particular no extenso rol das crises atuais.
No âmbito dessa crise se sobressai a má qualidade das leis, fruto de uma crônica indisposição para examinar as questões de forma mais percuciente e da improvisação e negligência na elaboração dos textos legais. Três exemplos recentes abonam esse entendimento.
A índole excessivamente analítica do texto constitucional, especialmente em matéria tributária, estabelece uma rigidez incompatível com a necessidade de se ajustar a novas situações decorrentes de inovações tecnológicas ou de mudanças estruturais no ambiente econômico.
Foi o que ocorreu com operações interestaduais não presenciais tributadas pelo ICMS (internet, telefone, carta). Elas não foram previstas na Constituição simplesmente porque não existiam à época da sua promulgação. Para acolher esse novo e crescente tipo de operação, foi preciso promulgar uma emenda constitucional, com todos os custos políticos a ela associados.
A redação original aprovada no Senado previa que, no destino, seria cobrada a diferença entre a alíquota interestadual e a da origem, o que é desprovido de qualquer nexo. A Câmara corrigiu esse erro palmar e introduziu outro, ao estabelecer que a emenda produziria efeitos a partir do ano subsequente ao da sua promulgação (no caso, 2016), observada uma escala que se inicia em 2015. O texto estabelece, portanto, uma contradição entre a eficácia e a escala, o que provavelmente demandará uma interpretação judicial.
[su_quote]A complexidade tributária não é obra do acaso. Ela cresce pela ação do legislador, a despeito das recorrentes queixas dos contribuintes[/su_quote]
Há décadas a guerra fiscal do ICMS, objeto de crítica e, também, de prática de todos os Estados, é olhada com indiferença pelo Congresso e pelo governo federal. As raras intervenções legislativas na matéria foram desastradas.
Para enfrentar a chamada guerra fiscal dos portos, o Senado aprovou a Resolução n.º 13/2012, que padece de vício de inconstitucionalidade formal, pois recorreu-se a uma resolução em matéria que a Constituição prescreve tratamento por lei complementar. Àquela resolução se junta o projeto de Resolução do Senado n.º 1/2013, que dispõe sobre as alíquotas interestaduais do ICMS. Se aprovado, o projeto formará com a Resolução n.º 13/2012 um exuberante dueto de casuísmos e penduricalhos, evidenciando que a complexidade tributária não é obra do acaso. Ela cresce pela ação do legislador, a despeito das recorrentes queixas dos contribuintes.
O Senado aprovou o Projeto de Lei Complementar n.º 130/2014, que, a despeito de não incorrer naquele vício de inconstitucionalidade, cuida muito displicentemente da guerra fiscal, limitando-se praticamente a possibilitar a remissão e a continuidade dos benefícios concedidos ilegalmente.
São meros remendos na obsoleta legislação vigente, sem estabelecer um adequado disciplinamento da competição fiscal lícita.
O último exemplo é o Fundo de Participação dos Estados (FPE). O Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro de 2010, julgou inconstitucionais os critérios de partilha do FPE, modulando os efeitos da sentença para que os critérios permanecessem em vigor até o fim de 2012. Apesar disso, nenhuma providência tomou o Congresso.
Esse prazo findou prorrogado por mais 150 dias, em virtude de liminar concedida em ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Somente em julho de 2013, contudo, é que foi aprovada a Lei Complementar n.º 143, que reproduz praticamente o mesmo regime de partilha considerado inconstitucional pelo STF. E ninguém ficou chocado com essa teratológica manobra legislativa.
É verdade que há sinais recentes de maior protagonismo do Congresso na cena política, em boa parte explicado pela enorme perda de popularidade do Executivo. De qualquer forma, ainda que consiga se reafirmar como poder, o Congresso precisa melhorar bastante a qualidade da produção legislativa.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 7/5/2015
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