Queda do investimento e perda de competitividade, somadas à desaceleração da economia mundial, fizeram a produção do setor voltar ao nível de 2009; desvalorização do câmbio pode ajudar na retomada, mas reformas são essenciais
A indústria brasileira enfrenta uma crise histórica e que parece sem fim. O setor se tornou uma das principais amarras do crescimento brasileiro, e o que era ruim piorou: nos seis primeiros meses de 2015, a produção industrial recuou 6,3% e voltou ao nível de 2009, quando a economia mundial se recuperava da crise financeira internacional.
A produção industrial tem sofrido com uma combinação perversa: o mercado externo dá claros sinais de fraqueza e o interno está parado. As crises política e econômica derrubaram a confiança de consumidores e empresários, o que estancou os investimentos. No setor de máquinas e equipamentos – considerado o coração da indústria –, a utilização da capacidade instalada está em 65,6%, nível mais baixo desde março de 1999.
“A fraca economia doméstica está fazendo com que a crise da indústria se aprofunde e se torne mais severa”, afirma Rogério César de Souza, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
O faturamento real médio das companhias caiu 7% no primeiro semestre e a ociosidade cresceu nas linhas de produção. Para ajustar a oferta à demanda, as horas trabalhadas caíram em média 8,6% de janeiro a junho.
“No caso de máquinas e equipamentos, houve uma queda muito expressiva do nível de investimentos, bem como na metalurgia”, afirma José Augusto Fernandes, diretor de Políticas e Estratégias da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “As empresas ainda estão com nível de estoques acima do planejado, o índice de confiança permanece num nível muito baixo e em queda. O cenário é de deterioração”, afirma.
Inevitavelmente, a crise chegou onde mais se temia: no mercado de trabalho. O empresário Cesar Prata – proprietário Asvac, empresa produtora de bomba para navios e plataformas – teve de reduzir a força de trabalho de 50 para 20 funcionários. “O meu receio é de não conseguir ultrapassar esse momento”, afirma Prata. “Estou no setor há 43 anos e nunca vi uma crise tão profunda”, diz.
O segmento de confecção deve terminar o ano com 65 mil demissões no país, sendo 18 mil em São Paulo – 150 empresas já fecharam as portas no Estado no primeiro semestre. “A população parou de comprar. A incerteza nacional quanto à produção é tão grande que vale muito mais a pena fechar a sua operação industrial e importar tudo da China. Nisso, a marca não morre – o que morre é o emprego”, diz Ronald Masijah, presidente do Sindivestuário e dono de uma confecção de lingerie.
Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) dão a dimensão do momento dramático do emprego na indústria. Entre janeiro e julho, foram fechados 227 mil postos formais no país, o pior resultado para o período desde 2002.
Encolhimento– A indústria brasileira já vinha enfrentando problemas nos últimos anos e o quadro passou a se agravar depois da crise internacional. Com as principais economias em recessão, mercados emergentes, como o brasileiro, passaram a ser destino de produtos importados mais baratos. “Desde a crise mundial, nossa indústria não se encontrou e passou a ter uma oscilação muito grande, com grande tendência de piora”, afirma Julio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Além do chamado Custo Brasil, que engloba a alta carga tributária e os entraves burocráticos para se fazer negócios no país, o câmbio valorizado nos últimos anos também contribuiu para onerar o produto brasileiro.
Segundo pesquisa da Fiesp de 2013, o produto nacional é, em média, 34,4% mais caro do que um similar importado, o que tira sua competitividade. “Hoje, a indústria paga de impostos 2,8 vezes mais do que a participação dela no PIB”, diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor-titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp (Decomtec). “Quanto ao câmbio, a alta do dólar neste ano ameniza parte dessa desvantagem, mas não recupera tudo. O câmbio é um importantíssimo instrumento de competitividade, mas não resolve. Temos de melhorar nossa eficiência.”
O resultado desse declínio industrial fica evidente quando se analisa a participação do setor no Produto Interno Bruto (PIB). No ano passado, a fatia da indústria de transformação na economia foi de apenas 10,9%. Em 2010, era de 15%. “Em 2014, chegamos ao menor nível da participação da indústria no PIB desde 1947. Neste ano, provavelmente vamos cair ainda mais, para no máximo 10,6%”, diz Roriz.
Retomada– Para representantes da indústria, o ano que vem ainda é uma incógnita. A recuperação, afirmam, depende de uma agenda de políticas públicas comprometidas com o aumento da produtividade e da competitividade, bem como da expansão para novos mercados.
“Se houver um trabalho mais intenso de reformas e mais confiança em relação aos resultados fiscais, o país poderá criar uma dinâmica mais adiante, que estará muito associada à combinação da desvalorização do câmbio e da redução do custo unitário do trabalho, facilitando a capacidade de concorrência, tanto no mercado doméstico como no mercado internacional”, afirma Fernandes, da CNI.
Para ele, a retomada passa pela conquista de novos mercados. “Não há dúvidas de que as exportações serão a saída para muitos setores. A gente já observa um conjunto de empresas tomando decisões e iniciando trabalhos de recuperação de mercado”, afirma.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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