A aprovação pela Câmara dos Deputados – aparentemente à revelia do governo – da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que torna impositiva a execução dos investimentos das bancadas partidárias aprovados no Orçamento aumentou significativamente o estresse entre os investidores e gerou um quase consenso de que a PEC que cria um novo regime de Previdência Social no Brasil está em perigo. O resultado foi uma reação bastante negativa dos mercados. Entretanto, uma análise mais cuidadosa leva a conclusões menos catastróficas.
Em primeiro lugar, ainda que a aprovação, neste momento, da PEC que impõe o caráter impositivo ao Orçamento mostre o ambiente conflituoso da relação entre os Poderes, minha avaliação é de que ela é positiva, do ponto de vista econômico (ver Redefinindo o Orçamento, em O Estado de S. Paulo de 16/3/2019). Aumenta a responsabilidade do Poder Legislativo e gera os incentivos corretos para que o Congresso Nacional desvincule e desindexe o Orçamento. Se for aprovada pelo Senado, o Legislativo passará a ter poder para, em conjunto com o Executivo, decidir sobre a estrutura do Orçamento no futuro, como em qualquer democracia madura. Pelo menos em parte, os níveis pouco republicanos do “toma lá, dá cá”, característico do presidencialismo brasileiro, se devem a esta idiossincrasia do nosso processo orçamentário.
Leia mais
Nelson Motta: Todos contra todos na política
Murillo de Aragão: Muita calma
Em segundo lugar, apesar do ambiente belicoso entre os Poderes, os sinais vindos do Congresso indicam que a percepção de necessidade e da urgência na aprovação da Nova Previdência continua dominante. Durante a semana, um conjunto de 13 partidos políticos, que juntos têm 291 deputados, assinaram um manifesto de apoio à PEC da Previdência, ressalvando três pontos específicos: o Benefício de Prestação Continuada (BPC), a aposentadoria rural e a possibilidade de “desconstitucionalização generalizada” das regras previdenciárias. Na quinta-feira o PSL, partido do presidente da República, fechou questão pela aprovação.
As exigências dos partidos são passíveis de serem negociadas sem que a PEC seja desfigurada. A desconstitucionalização reduz a qualidade do projeto, mas não o torna menos rigoroso do ponto de vista fiscal. Com a desconstitucionalização, a substituição do sistema de repartição pelo de capitalização, assim como mudanças que precisarão ser feitas no futuro, terá de ser realizada por PEC. Ainda assim, o documento fala de “desconstitucionalização generalizada”, o que significa que alguma desconstitucionalização será possível.
A segunda demanda dos partidos é manter o BPC como é hoje. Pela regra atual, o cidadão adquire o direito de receber uma pensão de um salário mínimo ao atingir 65 anos, independentemente de ter ou não contribuído. Pela proposta, o cidadão teria o direito a receber uma pensão de R$ 400,00 quando atingir 60 anos e, aos 70 anos, o valor da pensão passaria para um salário mínimo. Como é impossível saber, a priori, qual dos dois regimes é melhor para as pessoas elegíveis, o ideal seria manter as duas possibilidades e deixar a critério delas decidir, aos 60 anos, qual dos regimes melhor se adapta à sua situação.
Quanto à aposentadoria rural, uma boa parte do problema de déficit está relacionada a fraudes administrativas, que podem ser resolvidas por legislação infraconstitucional ou por decreto. O que depende de mudança na Constituição (idade mínima de 60 anos para mulheres e aumento do tempo de contribuição de 15 anos para 20 anos) poderá ser negociado sem grande perda de efetividade do projeto.
Ou seja, apesar dos conflitos, a Nova Previdência continua viva no Congresso Nacional. O problema é até quando terá saúde para sobreviver à crise política que está se aprofundando.
Fonte: “Estadão”, 30/03/2019