Desde a Proclamação da República, sempre que alguma crise institucional se prenunciava no Brasil, pairava ostensiva ou veladamente um fantasma: a intervenção militar. Esse quadro mudou radicalmente com a posse, em 1985, do primeiro presidente civil após o golpe de 1964. De lá para cá, a partir da promulgação da Constituição de 1988, toda crise institucional tem sido resolvida no âmbito dos três poderes constitucionalmente constituídos. Esse registro é relevante no quadro atual de grave crise institucional, com o confronto aberto entre setores do Executivo, Legislativo e Judiciário.
Fato é que, quando as crises institucionais se apresentam nos dias de hoje, logo aparecem representantes qualificados de cada um dos três Poderes da República para botar água na fervura, diagnosticar o fato gerador da crise e, finalmente, saná-la. De certa forma, é o processo constitucional de freios e contrapesos sendo manejado com equilíbrio, sensatez e espírito republicano. Por que, então, vivemos sobressaltados por essas crises, geralmente – repito, geralmente – motivadas por interesses subalternos de agentes públicos também menores?
Antes que ocorra uma esgarçadura desnecessária, faça-se um repto. Ao invés de um Poder medir forcas com o outro por motivações, tolas, que cada Poder olhe para dentro de si e analise o que está errado – o que possa estar desapontando o destinatário final do exercício do poder público: o povo brasileiro.
[su_quote]Ao invés de um Poder medir forcas com o outro por motivações, tolas, que cada Poder olhe para dentro de si e analise o que está errado[/su_quote]
Perguntemos se estamos bem cumprindo nossa missão, se ficarmos inertes em situações como: quando as partes de um processo judicial esperam meses e meses para cumprimentos de providências meramente burocráticas; quando magistrados, mesmo na Comarca da Capital, ignorando as regras expressas das leis e dos ordenamentos a eles cometidos, não se fazem encontradiços para as partes e os advogados, no seu horário normal de trabalho do serviço público; quando ocorrem promoções por antiguidade ou merecimento de magistrados que, notoriamente, não são detentores da indispensável qualificação técnica e moral; quando as vagas destinadas nos tribunais a advogados e promotores são preenchidas por critério casuístico.
Esse questionamento se estende também às organizações, inclusive, no âmbito dos advogados que se deixam levar pela lassidão dos princípios morais; exatamente aquilo de que deveriam ser os grandes bastiões.
Enquanto isso, o Executivo e o Legislativo cometem erros atentatórios à moralidade e ao pudor quando, em nome de princípios difusos como a suposta “governabilidade”, fazem concessões ou mesmo cometem aberrações antirrepublicanas.
Comecemos a dar o exemplo em casa, sanando nossas deficiências e, em seguida, prossigamos para que a democracia no Brasil pavimente o caminho para acabarmos de vez com a prevalência secular dos interesses dos “donos do poder”. Seja como faziam os donos de engenho de antanho, seja como o fazem hoje os que manipulam a máquina pública em seu próprio benefício.
Fonte: O Globo, 10/5/2013
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