Alguns setores são relativamente mais sensíveis ao ciclo econômico. O mercado imobiliário é um deles. Otimismo se transforma em euforia e momentos de correção são logo interpretados como estouro de bolha. Os excessos do passado estão pesando sobre o mercado imobiliário neste momento. O impacto sobre a economia não será desprezível. O peso da construção civil no PIB é relevante, próximo de 15%, tendo também importante papel no mercado de trabalho.
Diferente do ocorrido no início da década passada, quando medidas estruturais melhoraram o ambiente regulatório e reduziram a insegurança do setor, a agenda dos últimos anos foi voltada para o incentivo à demanda. Mudança de agenda e exagero na dose. A fatura chegou.
Entre 2004 e 2005, importantes avanços ocorreram: a criação do Patrimônio de Afetação (tratamento individualizado para cada empreendimento da construtora), a consolidação da Alienação Fiduciária (mais garantias a credores) e correção de distorções tributárias no mercado imobiliário (isenção de IR sobre ganhos de capital quando a venda do imóvel é seguida de compra de outro em até 180 dias).
Já a agenda pós-crise global de 2008 foi de estímulo e subsídios à demanda, principalmente com aumento do crédito ao consumidor via bancos públicos, aliado a corte de taxas de juros. O estoque de crédito imobiliário que vinha crescendo em ritmo mais moderado, saltou de 1,8% do PIB no início de 2008 para o atual patamar de 8,9%. Como proporção da renda anual dos indivíduos, o crédito residencial saltou de 4% e para 16%.
Há uma diferença importante entre as duas agendas. Melhoras institucionais têm por objetivo reduzir o risco efetivo de crédito por meio, por exemplo, de melhores garantias ou menor risco jurídico. Políticas de estímulo e subsídios, por outro lado, apenas transferem o risco para uma terceira parte, muitas vezes o governo, com implicações fiscais.
O estímulo excessivo da demanda veio acompanhado de significativa valorização dos imóveis, com os preços atingindo alta recorde de 30% anual em meados de 2011, segundo a Fipe. A oferta reagiu rapidamente, bem como os custos do setor. Os salários na construção civil passaram a crescer em ritmo acelerado, com ajustes acima de 10% ao ano em média entre 2011 e 2013. Preços de insumos, de equipamentos e da terra também ficaram mais pressionados. As margens das construtoras não tardaram a comprimir.
O mercado começou a estrangular quando a demanda passou a dar sinais de arrefecimento, por conta da excessiva valorização dos imóveis e a desaceleração da economia.
A reação do governo foi tentar novamente estimular a demanda via maior oferta de crédito imobiliário. As concessões para pessoa física aceleraram, atingindo alta de 50% ao ano em meados de 2013. Além disso, em 2013 o governo elevou de R$ 500 mil para até R$750 mil o valor do imóvel para saque dos recursos do FGTS e o valor da casa própria a ser financiado dentro do Sistema Financeiro da Habitação. Tentativas para manter a bicicleta rodando.
A bicicleta está parando. A demanda por imóveis está caindo com o menor dinamismo do mercado de trabalho e com o aumento recente de inadimplência na economia, de empresas e indivíduos. No segmento residencial, pesquisa do Banco Central mostra recuo da demanda. Numa escala de -2 a +2, o indicador está em zero nos dois primeiros trimestres de 2014, o que indica neutralidade, ante 0,72 na média de 2011, quando a pesquisa começou. Assim, as concessões de crédito mobiliário crescem agora a taxas anuais bem mais moderadas: 3,5% na média dos últimos três meses até junho ante 27% na média de 2013. Este movimento pode ainda se aprofundar até que as famílias consigam equilibrar suas finanças, num quadro de deterioração do mercado de trabalho em curso.
Como consequência, a alta de preços de imóveis arrefece, e traz consigo margens mais estreitas para as construtoras, que ainda enfrentam pressão de custos relevante. Sondagens na construção civil mostram que, diferente do quadro dos anos anteriores, quando os principais problemas enfrentados pelos empresários do setor eram a falta de trabalhador qualificado e o custo da mão-de-obra, agora esses problemas perdem espaço e passam a concorrer com a falta de demanda. Assim, recua a confiança do empresário do setor, com os índices da FGV e da CNI apontando o caminho do pessimismo.
O quadro de excesso de oferta em relação à demanda deve persistir por um tempo. Talvez comprometendo 2015 e até 2016, com repercussões sobre preços ainda por vir. Segundo especialistas, há quantidade importante de construções a serem entregues. Um cenário de queda de preços relativos (preços subindo menos que a taxa de inflação) nos vários segmentos do setor poderá ser inevitável. Ajuste de preços é peça central para equilibrar o mercado.
O impacto perverso sobre o mercado de trabalho já aparece. O setor que tanto se destacou na geração de empregos, potencializando a queda das taxas de desemprego nos últimos anos, agora sofre. Segundo o Ministério do Trabalho (RAIS/Caged), o emprego formal na construção civil, que representa 6% do total, cresceu apenas 1,2% em 2013 e está no campo negativo em 2014, ou seja, já ocorrem demissões líquidas no setor, após ter registrado altas média de ocupação líquida de 14% ao ano entre 2005 e 2011.
São particularmente os trabalhadores com menor qualificação e menor renda os mais afetados, sem contar que a construção civil é muitas vezes a porta de entrada de indivíduos com menor qualificação no mercado de trabalho. Isso irá significar efeitos perversos na distribuição de renda.
A mensagem é clara: muito cuidado com estímulos à demanda. Quando exagerados frente às condições estruturais de oferta – como foi o caso, haja vista a forte pressão sobre os preços de fatores observada -, criam mais problemas. Produzem mais volatilidade no PIB, ao contrário do desejável, afetando o bem-estar da sociedade.
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