Se houver mudanças na responsabilidade fiscal, chance de deterioração das contas públicas será maior
Todos conhecem a história do sapo na panela, aquele que não pula, mesmo quando a temperatura se torna insuportável, desde que a água vá esquentando bem devagarinho. Ao final do conto, o anfíbio entorpecido morre escaldado, incapaz de perceber as mudanças que afetaram o ambiente ao seu redor.
É difícil não pensar a fábula do sapo como uma metáfora para a mudança do padrão de política econômica no país de uns anos para cá. O tripé macroeconômico -câmbio flutuante, met as para a inflação e superavit primários – se tornou praticamente irreconhecível.
Só alguém muito desatento poderia crer que o regime cambial no Brasil é flutuante quando ministros de Estado afirmam “não administrar o câmbio” ao mesmo tempo em que prometem “tentar manter essa taxa aí [R$ 1,80 por dólar]”.
Da mesma forma, nem a lendária “velhinha” de Taubaté acreditaria que o Banco Central -que, otimista, prevê a inflação quase um ponto percentual acima da meta no próximo ano, mas mesmo assim estimula a economia- segue de fato um regime de metas para a inflação.
Já do lado fiscal, as notícias não são melhores.
Trabalho recente dos economistas do Itaú revela, por exemplo, que o superavit primário “estrutural” do setor público (livre da contabilidade criativa, particularmente intensa nos últimos anos, assim como dos efeitos do ciclo econômico sobre despesas e receitas públicas) caiu persistentemente comparado aos níveis registrados entre 2003 e 2005.
Enquanto naquele período a diferença “estrutural” entre receitas e despesas não financeiras superou o equivalente a 4% do PIB, nos últimos quatro anos teria atingido cerca de 2% do PIB, em média, uma expansão fiscal considerável.
Por onde quer que se olhe, é inevitável perceber que a água fica mais quente a cada dia, muito embora o sapo tenha permanecido, pelo menos até agora, confortavelmente chapado. A água, porém, vai se aquecer ainda mais caso se materializem as propostas ventiladas neste final de semana acerca da possibilidade de mais uma renegociação das dívidas dos Estados.
Não é segredo que a reestruturação das dívidas estaduais na segunda metade dos anos 1990 foi, em conjunto com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a pedra fundamental na mudança da sua posição fiscal. Os Estados, é bom que se diga, foram pesadamente subsidiados quando a União assumiu suas dívidas (cujo custo era bastante superior ao pago pelo governo federal) e lhes emprestou a taxas muito favoráveis.
Em contrapartida, contudo, foram obrigados a ajustar suas contas, resultado não muito diferente daquele que ocorreria na Europa, caso os países da zona do euro enveredassem por esse caminho. Não por acaso, os Estados – deficitários até 1998 – têm contribuído regularmente para o superavit primário do setor público após a reestruturação.
Também não é segredo que, a despeito do imenso subsídio, governadores tentaram desde o início sabotar esse acordo, sem, é claro, ameaçar as condições favoráveis para si, mas buscando solapar exclusivamente sua obrigação de pagar o que devem para a União. Sempre quiseram, a todo custo, se livrar da camisa de força fiscal que os obriga a gerar superavit primários.
Esse sonho ancestral está prestes a virar realidade. O governo federal acena com alterações nas regras do jogo que, se postas em prática, não apenas permitirão que os Estados reduzam seus saldos fiscais, mas também representarão a primeira modificação relevante na LRF, abrindo a porteira para novas mudanças. Não é preciso muito para concluir que isso levará à deterioração adicional das contas públicas.
Não se trata da primeira (nem da segunda) vez que esse problema aparece. Nem é meu primeiro artigo a respeito. A novidade é que, desta vez, as chances de uma derrapada fiscal estão se tornando bem maiores. Já disse não nutrir ilusões sobre a capacidade de artigos de jornal mudarem o mundo, mas, por Tutatis, como gostaria de estar enganado.
Fonte: Folha de S. Paulo, 11/04/2012
No Comment! Be the first one.