Já foram identificadas mais de 100 seguradoras na mais absoluta ilegalidade. Elas prometem preço inferior, mas são correntes da felicidade que um dia vão estourar
Pior do que saber que é uma arapuca é cair nela. E é isso que ameaça milhares de brasileiros que imaginam que estão fazendo um grande negócio, sem perceberem que estão à mercê de gente sem qualquer compromisso com as obrigações assumidas.
O tema não é novo, mas nos últimos tempos vem tomando proporções sérias, ao ponto de já terem sensibilizado o Ministro da Fazenda, que ordenou à SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) que aja com o máximo rigor para coibir sua proliferação.
Já foram identificadas mais de cem seguradoras, ou hipotéticas seguradoras, atuando na mais absoluta ilegalidade. Estas organizações prometem proteção para seus clientes por um preço muito inferior ao custo de um seguro equivalente. Só que o fazem sem levar em conta nenhum dos pressupostos que transformaram o seguro na melhor forma de proteção social desenvolvida pelo ser humano.
Como elas não são registradas, nem existem formalmente, a primeira grande vantagem que lhes permite oferecer preço muito mais baixo é que não pagam os impostos, taxas e contribuições que praticamente dobram o custo das empresas formais.
Mas elas vão muito além. A operação de seguro é baseada num princípio chamado mutualismo, onde cada segurado contribui proporcionalmente ao seu risco para a constituição de um fundo destinado a pagar os prejuízos causados pelos eventos predeterminados e cobertos pela apólice que atinjam seus integrantes.
Para a definição do preço de um seguro a seguradora leva em conta leis matemáticas e fórmulas atuariais, que lhe permite determinar com bastante exatidão o custo do negócio.
Basicamente são considerados a sinistralidade média, os custos comerciais e administrativos, a carga tributária e a margem de lucro esperada. Além disso, a seguradora tem um limite máximo para reter riscos. Vale dizer, dependendo do seguro, ela é obrigada a transferir a parte de sua responsabilidade que ultrapassa seu limite legal de retenção para outra seguradora, quando faz o cosseguro, ou para uma resseguradora, através das diferentes formas de resseguro.
Para funcionar, uma seguradora é obrigada a ter capital mínimo, além de ativos suficientes para garantir a totalidade de suas obrigações, caso interrompa subitamente suas atividades.
Mas a regulamentação para a operação das seguradoras não termina aí.
Elas são ainda obrigadas a constituir reservas técnicas para cada seguro comercializado e que devem ser diferidas ao longo do tempo, enquanto durar sua obrigação de indenizar. Estas reservas atualmente são praticamente equivalentes ao faturamento da companhia.
Ou seja, a operação de seguro é um negócio altamente regulamentado e fiscalizado pelo governo, projetado para dar certo, permitindo à seguradora que se desenvolva no tempo e, aos segurados, que recebam as indenizações a que têm direito, quando sofrem um sinistro.
Quando alguém faz uma operação parecida com seguro, destinada a pagar determinadas perdas dos componentes do grupo, sem levar em conta as premissas acima, o negócio pode funcionar durante um certo tempo, mas em algum momento fará água, como acontece com todas as correntes da felicidade.
Como estes negócios não se baseiam em cálculos sofisticados, nem têm reservas calculadas para fazer frente às indenizações, mas se pautam apenas pelo “olhômetro”, do “esperto” que o cria, as chances de dar com os burros n’água são muito grandes. E, o que é pior, aumentam exponencialmente na medida em que a corrente cresce.
Com certeza, as primeiras perdas serão indenizadas. As contribuições costumam ser suficientes para repor os poucos bens afetados no início da operação. Além do quê, sem isso, não há como o negócio crescer e a “organização”, “clube” ou tenha lá o nome que tiver, se desenvolver. O problema é que não há como ela se sustentar e não é questão de sorte, é matemática pura. As correntes da felicidade sempre estouram e quem perde é quem entra por último, atraído pelo bom negócio feito pelo amigo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 04/07/2011
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