Cada vez mais analistas apontam a necessidade de o governo sinalizar o compromisso com a disciplina fiscal; certamente este ano, mas também a sua sustentabilidade para os próximos anos. A Lei de Responsabilidade Fiscal, infelizmente, não é suficiente para isso, pois ela estabelece limites – atualmente mais frouxos – para entes subnacionais, mas não para o governo federal.
Na década passada, com reformas estruturais estimulando ganhos de produtividade na economia e com o excepcional ciclo econômico mundial, ambos dando suporte a taxas de crescimento econômico mais elevadas, era mais fácil assegurar resultados fiscais robustos e o declínio da relação dívida-PIB.
O quadro mudou. E a reação do governo ao baixo crescimento foi a expansão fiscal, mesmo quando se mostrava inadequada pelo seu risco inflacionário. Utilizou-se um instrumento frágil, a expansão fiscal, e que, uma vez realizada, é de difícil remoção. O quadro fica ainda mais complexo quando se considera que foram adotadas políticas de benefícios setoriais, o que aumenta a dificuldade para remover os estímulos, pela resistência e oposição dos grupos beneficiados pelas políticas governamentais.
Mais um desafio a ser enfrentado: as crescentes demandas sociais por serviços públicos de qualidade, mas sem elevação de carga tributária ou da inflação. Enquanto isso, investidores e agências de classificação de risco demandam estabilidade da relação dívida-PIB e atendimento às boas práticas contábeis. A disciplina das ruas e dos mercados exige políticas fiscais mais sólidas.
O papel da política fiscal é crucial para a redução mais rápida da inflação, de preferência abrindo espaço para metas de inflação mais ambiciosas – uma vez que 4,5% é um nível elevado em comparação aos pares da América Latina que operam no regime de metas (3,0%) – e a redução sustentável de taxas de juros.
A discussão sobre a política fiscal não se resume ao seu impacto inflacionário, havendo também implicações sobre o potencial de crescimento da economia. O intervencionismo estatal via proteção e subsídios a setores acaba confluindo não só em resultados fiscais ruins, como também uma piora da alocação dos recursos disponíveis e da produtividade total da economia. O governo optou por incentivar alguns setores em detrimento da economia como um todo que paga com inflação mais elevada e maior carga tributária.
Essa escolha, ao invés de políticas horizontais, foi baseada no diagnóstico de que esses setores gerariam externalidades positivas sobre o restante da economia. Isso não ocorreu. Pelo contrário.
As políticas públicas precisam, portanto, ser revistas, qualquer que seja o futuro presidente.
Algumas políticas sociais também precisam ser reavaliadas, como a sobreposição de benefícios pelas mesmas razões para os mesmos grupos. Há cada vez mais sinais que a relação-custo benefício de algumas políticas sociais, como, por exemplo, o salário-mínimo e o abono salarial, não são favoráveis para a sociedade, pois ao gerar maior inflação ou elevação excessiva de custos ao setor privado acima dos seus ganhos de produtividade, acabam asfixiando o setor produtivo e prejudicando a própria geração de emprego.
Em ano eleitoral não há interesse nessas discussões. No entanto, surgindo o tema, que não seja demonizado pela tentação do ganho fácil de quem promete benefícios sem explicitar como a conta será paga. A política cobra os discursos eleitorais, sobretudo os que posteriormente fracassam. Se não há coragem de discutir abertamente os problemas reais, ao menos não se prometa a solução tão fácil quanto falsa. Existem inevitáveis e difíceis dilemas no país, e o argumento ligeiro, se bem sucedido, tornará o eleito refém da promessa inviável.
A sociedade quer mudanças e desconfia da competência do governo de alocar os recursos públicos. A sociedade reclama e, muitas vezes pede o impossível. Bons governantes precisam mostrar o caminho do possível e da responsabilidade. Não se deve alimentar o discurso de que tudo é possível e que não é necessário fazer escolhas duras, adiando-se o enfrentamento do problema e aumentando a fatura e os custos sociais.
No final, “infantiliza-se” a relação com a sociedade. A sociedade vai continuar demandando o impossível, o que pode ao final abrir espaço para plataformas políticas populistas.
Uma sociedade que já lidou com quadros econômicos dramáticos – como apontou Gustavo Franco em seu último artigo no “Estadão”, a sociedade conseguiu compreender a engenhosidade dos primeiros estágios do Plano Real – pode compreender aquilo que já enfrenta no seu dia-a-dia: restrição orçamentária.
A boa decisão das políticas públicas, porém, requer transparência e critérios democráticos de decisão. Que não se perca a oportunidade de discutir essa agenda mesmo em um ano eleitoral, surgindo esse espaço. Essa responsabilidade vale para todos os candidatos. E a conta, será de todos nós.
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