O processo democrático é uma via política complexa que se inicia com o registro da candidatura eleitoral e, uma vez obtido o aval das urnas, vai até o último minuto do mandato, impondo ao eleito o dever de respeito aos valores éticos, morais e jurídicos da política institucionalizada. Por assim ser, a democracia é uma orgânica unidade sistêmica, cujas partes interligam-se harmoniosamente no funcionamento do todo, para, ao fim e ao cabo, bem servir ao povo com dignidade, decência e exação. Nesse ínterim continuado, a candidatura, a eleição e o exercício do mandato são elementos integrantes e inseparáveis da legitimidade do poder político.
Acontece que, no Brasil de hoje, tudo parece possível; as dimensões do certo e do errado confundem-se em massa cinzenta, que joga sombras sobre o preto e branco da lei sobre o papel. Nesse contexto, a crise atual é, sobretudo, de legalidade.
Sem cortinas, a política subjugou a ordem legislativa para o livre triunfar de deploráveis interesses pessoais e partidários de dominação do poder. A lei, que deveria limitar a política, passou a ser manipulada por políticos sem limites. A situação é de absoluta gravidade.
[su_quote]A subversão do processo eleitoral, mediante abusiva e ilícita irrigação de campanhas políticas, acarreta uma flagrante obtenção inconstitucional do mandato popular[/su_quote]
As recentes revelações da Operação Lava-Jato estão a mostrar que o uso e abuso de dinheiro ilícito parece ser a fórmula mágica de acesso ao poder. Para refinar a traficância, heróis de uma causa corrupta resolveram embrulhar propina em papel de campanha, como se a nova roupagem pudesse esconder sua natureza ilegal. A manobra bem demonstra que certos anjos profanos desprezam abertamente a lei, confiando na política como uma garantia de impunidade jurídica.
Ora, nos termos do art. 17, III, da Constituição Federal, a prestação de contas à Justiça Eleitoral traduz dever jurídico fundamental para o regular funcionamento político-partidário. Eventual descumprimento da regra legal configura ilicitude de grau máximo, tisnando ab initio a legitimidade democrática. Em outras palavras, a fraudulenta prestação de contas eleitorais traduz vício político de raiz, maculando a investidura política por meio da obtenção inconstitucional do mandato popular.
Infelizmente, ao se confirmarem os indícios, nossa cidadania terá sido vítima de aberta fraude à democracia, exigindo-se uma firme e imediata reação institucional do Estado. A subversão do processo eleitoral, mediante abusiva e ilícita irrigação de campanhas políticas, acarreta uma flagrante obtenção inconstitucional do mandato popular. Seja pela via do impeachment ou por ação judicial específica, o eventual envolvimento, direto ou indireto, da presidente da República nos tristes fatos que rebaixam a Nação deverá gerar a devida responsabilidade política com a consequente perda do mandato. Ou será que cumprir a lei virou golpe no Brasil?
Fonte: O Estado de Minas, 16/8/2015
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