A Câmara dos Deputados foi palco, na quinta-feira passada, de uma dessas cenas que só não causam espanto porque, convenhamos, do Congresso Nacional é possível esperar qualquer tipo de fanfarronice. E o protagonista, mais uma vez, foi o ainda presidente da casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Como os jornais não se cansaram de noticiar desde então, Sua Excelência agiu da forma mais desavergonhada possível para tentar impedir a abertura do processo que pode levar (ou melhor, que certamente levará) à sua cassação.
Tecnicalidades e ritos processuais à parte, o fato é que, hoje, Cunha não passa de uma sombra do político arrogante que chegou à presidência da Câmara em janeiro deste ano prometendo encostar o governo contra a parede. No começo, e valendo-se mais da fraqueza do Poder Executivo (esfacelado pela obrigação de tomar medidas opostas às prometidas na campanha eleitoral) do que apoiado em sua própria força, ele teve algum sucesso. E conseguiu aprovar medidas que dificultavam o trabalho de um governo que não tinha muito o que mostrar à sociedade.
Quem tem o poder?
Durante algum tempo, Cunha agiu como se fosse a autoridade mais poderosa do país. Pôs em votação projetos que aparentemente contrariavam o Planalto, deu declarações ácidas sobre autoridades que o criticavam e (ironia das ironias) comandou a casa que existe para garantir a democracia como se não precisasse da opinião nem do apoio de ninguém.
Tudo parecia dar certo para ele até que a realidade se impôs. Ficou claro para seus pares que Cunha tem o microfone mas não tem a caneta que libera recursos. Ou, como se costumava dizer no passado, tem o verbo mas não tem a verba. E no Brasil desses últimos tempos, todo mundo sabe, a convicção ideológica de boa parte dos parlamentares depende mais da generosidade do governo na hora de liberar o dinheiro para as “obras nas bases” do que de qualquer outro fundamento. E de reforma ministerial em reforma ministerial, de canetada em canetada, o governo não demorou a dar um jeito de mostrar a Cunha quem tem o poder de fato.
Tarde demais
O deputado — que é desastrado mas não é burro — logo se deu conta de que marchava célere para o isolamento. E resolveu costurar com o Planalto um acordo que até poderia ter dado certo se tivesse sido feito no início do ano: o governo protege Cunha e Cunha protege o governo. O problema é que o acordo chegou tarde.
A verdade é que, na prática, Cunha já caiu. Ainda que continue vagando pelos corredores da Câmara como um zumbi, ele já caiu. Ainda que não perca o cargo, ele já caiu. Caiu porque, ao contrário de toda esperteza e destemor que pretendeu demonstrar desde que chegou à presidência da casa, não tinha o que entregar na hora da verdade. Caiu não pelas virtudes de um parlamento indignado com as mentiras que ele contou e com as tramoias em que, evidentemente, ele se meteu. Muito pelo contrário: caiu porque já não tem mais forças para liderar políticos que se alimentam de verbas públicas. Simples assim.
Fonte: Hoje em Dia, 22/11/2015.
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