A tempestade perfeita, expressão utilizada por Delfim Netto em outubro de 2013 para alertar sobre os riscos da combinação de indisciplina fiscal, rebaixamento da nota de crédito do Brasil e cenário internacional adverso, não ocorreu no momento esperado, que seria o primeiro semestre deste ano. Ironicamente, talvez ela tivesse sido uma “benção disfarçada”, pois teria ajudado a conter erros de política econômica, que poderão custar mais caro. Agora nos defrontamos novamente com essa ameaça, mas estamos mais fracos para reagir.
O primeiro semestre foi de baixa volatilidade no mercado financeiro, principalmente por conta do discurso tranquilizador da presidente do Fed, Janet Yellen, quanto aos riscos de alta de juros prematura nos EUA. Assim, o rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela Standard & Poor´s em março não causou reação negativa dos preços de ativos domésticos. Também não se pode desconsiderar o anúncio da meta de superávit primário de 1,9% do PIB em fevereiro, sinalizando alguma preocupação do governo em melhorar a credibilidade da autoridade fiscal.
Não veio a tempestade perfeita, o que acabou se mostrando perverso para a gestão da política econômica do país. Identificou-se uma janela de oportunidade para acelerar os gastos públicos, reação típica de ano eleitoral. O Banco Central, que trabalhava com um cenário de neutralidade da política fiscal este ano, já admitiu que ela segue expansionista. Segundo especialistas, o superávit primário efetivo recorrente, que busca descontar receitas transitórias e contabilizar adiamentos de despesas, estaria correndo no campo deficitário, sem espaço para rápida reversão.
O ambiente eleitoral agrava o quadro. O governo defende políticas que se mostraram ineficazes e equivocadas, sinalizando, portanto, que não haverá mudanças efetiva de rumo na política econômica, mas apenas pequenos ajustes. Os compromissos de campanha engessam ainda mais o orçamento e retiraram graus de liberdade para ajustes fiscais futuros.
Pelo lado monetário, enfraqueceu-se institucionalmente o Banco Central, pelo ataque à sua autonomia na campanha eleitoral. Um fator que, por diversos canais, elevará o custo da política monetária. Difícil enxergar no horizonte taxa Selic de um dígito.
O quadro mudou. O ambiente internacional voltou a impactar os preços de ativos. Impossível afirmar qual a intensidade da tempestade em curso. Pode ser que não seja de grandes proporções. Pode ser que seja apenas um vento de proa mais intenso. Por outro lado, os fundamentos do Brasil estão mais frágeis.
Por quase dez anos o dinamismo chinês contribuiu para impulsionar a economia de países emergentes. Agora a China está na direção contrária, tornando o ambiente mais hostil. Há um claro conflito entre estímulos de curto prazo e crescimento de longo prazo na China. Será necessário o país aceitar a perda de tração no curto prazo para poder ir mais longe. Os líderes chineses parecem compreender esse desafio. Mas esse processo pode não ser suave, trazendo grandes incertezas de tempos em tempos.
Nos EUA, as condições anormais da política monetária já não proporcionam os mesmos ganhos do passado na economia americana, sendo recomendável sua flexibilização, pelos riscos de efeitos não intencionais.
Talvez a alta de juros seja modesta, à luz das discussões de “estagnação secular” entre importantes analistas e a consequente queda da taxa de juros neutra de longo prazo. Ainda assim, o debate atual entre os membros do FOMC não tem sido sobre a necessidade ou não de ajuste, mas sim seu início e velocidade.
O tempo corre contra os emergentes. A festa da década passada, que estimulou muitas vezes a leniência e falta de ímpeto para reformas, acabou.
Alguns emergentes estão mais preparados para enfrentar este quadro. Os pares da América Latina apresentam indicadores mais sólidos que o Brasil e contam com alguma flexibilidade da política econômica. A média de crescimento de Chile, México, Peru e Colômbia deverá ser de 3,5% este ano, frente à estagnação no Brasil. Inflação, igualmente 3,5% (6,5% no Brasil) e déficit fiscal nominal de 1,8% do PIB (4,5% no Brasil).
A economia brasileira está à deriva, a depender da sorte. A política fiscal colapsou e a monetária perdeu enormemente margem de manobra. Os fundamentos da economia brasileira pioram rapidamente e contaminam a confiança dos empresários, que cai de forma disseminada. O risco de rebaixamento de rating parece concreto.
Precisaremos de formuladores de política econômica com autonomia e competência para corrigir as distorções, erros e excessos. Tivesse a turbulência externa que agora nos assombra ocorrido mais cedo, logo no início do ano, a fatura hoje seria menor e estaríamos mais preparados para enfrentar os novos desafios.
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