Semana passada, em duas edições, “Zero Hora” voltou a assunto velho, mas de atualidade permanente e da maior densidade humana. Ocupava-se o jornal da situação calamitosa do Presídio Central de Porto Alegre. Para dar visão sumária da questão, segundo os dados constantes da exposição a qual aludi, o número de presos do mencionado presídio é de 4.621 indivíduos, quando o de vagas não passa de 2.635, ou seja, a população carcerária excede em quase 2 mil o número de vagas. Só este dado seria bastante para ilustrar, em um traço, as reais condições da penitenciária. Imagine o leitor que no melhor hotel da Capital fosse hospedado o dobro de sua capacidade e, desse dado concreto, poderia estimar a transformação do melhor no pior hotel, de repente e sem atenuações. Ocorre que o problema no Presídio Central não se resume a esse aspecto, embora fundamental, mas a ele se somam as maiores exigências em relação a higiene, segurança, convívio, brutalmente atingidos com a quantidade de pessoas empilhadas em suas instalações, que mais parecem ruínas de um sinistro ajuntamento sub-humano. Também é de considerar-se que a população que nele se concentra não é a melhor e, pelo menos em sua maior parte, carrega consigo os estigmas da ilicitude, mais inclinada à destruição do que à conservação do recinto que lhes tira a liberdade. Outro dado a considerar, entre fazer uma cadeia ou conservá-la em condições razoáveis e construir uma escola, um hospital ou um centro esportivo, qual seria a escolha do governante e qual a melhor apreciada pela sociedade? Enfim, a cadeia, como a rede de esgotos, que não fica à vista, é relegada para quando sobrarem verbas orçamentárias. O que não aparece ao público e é escabroso pode esperar e, desse modo, se acumulam as necessidades pessoais e danos materiais.
Ocorre-me lembrar que o quadro do atual Presídio Central evoca a extinta Casa de Correção, que a imprensa chamava de “escola de crimes”, mancha que devia ser apagada. A Correção fora construída logo depois da metade do século 19, antes da Guerra do Paraguai, com capacidade de abrigar 300 apenados. A população do Rio Grande cresceu, mas a penitenciária não. O resultado foi o que podia ser. O que está ocorrendo com o Presídio Central foi o que sucedeu com a Correção, que veio a ser demolida.
Antes de isso acontecer, um secretário do Interior e Justiça resolveu verificar o contrato demolitório e verificou que ela mal começara, uma ou duas pessoas esgravatavam o alto do muro, próximo ao portão, e o prazo contratual para a execução pactuada estava findo e, com base nesse fato certo, da violação do pacto, declarou extinto o contrato. E, se não me engano, ponderou que a construção centenária tornara-se inepta às finalidades pela simples razão de que a população do Estado se multiplicara em mais de século. O problema era outro. Era fazer com que a “escola de crimes” deixasse de sê-lo e para isso bastava dar ao imóvel outra finalidade e não faltavam bons alvitres. Afinal só um país rico poderia se dar ao luxo de demolir enorme prédio que poderia ter várias, úteis e até beneméritas aplicações e mesmo um país rico não consumaria essa asneira. A antiga cadeia, já esvaziada, devidamente desinfetada, poderia converter-se em prisão para delinquentes de alta periculosidade ou de pessoas condenadas, mas sem trânsito em julgado; o número de uns e outros não repetiriam a superpopulação. Ainda poderia ser utilizada para instalação de escola profissional, com todos os necessários requisitos ou ainda poderia abrigar uma secretaria de Estado, como a da Justiça, que ocupava mediante locação dois andares de edifício na Rua Uruguai, na altura da prefeitura.
Ocorre que, pouco depois o secretário deixou a secretaria e seu sucessor veio a refazer o contrato de demolição e, em consequência, a obra de desfazer o velho prédio historicamente integrado à fisionomia da cidade. E “a escola de crimes” mudou de endereço…
Fonte: Zero Hora, 16/04/2012
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