Como qualquer ser humano, no entanto, juízes têm preferências, ideologias e preconceitos. Também como qualquer ser humano, quando lhes são apresentados problemas tendem a resolvê-los a partir de uma intuição. Essas intuições são fruto da experiência e conhecimento adquiridos ao longo da vida, mas também de suas preferências, ideologias e preconceitos, nem sempre conscientes.
Bons juízes e juízas testam suas intuições antes de colocá-las em prática, a partir de uma série de parâmetros estabelecidos pela lei e por precedentes. Maus juízes apenas cozinham retoricamente argumentos voltados a camuflar suas inclinações.
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Para mitigar essas dificuldades, decorrentes da própria natureza humana, os sistemas jurídicos das democracias contemporâneas estabelecem uma série de limitações, condições e garantias institucionais para que os magistrados realizem suas tarefas com o maior grau possível de fidelidade à lei e não às suas próprias paixões. Como é impossível eliminá-las, definem que a última palavra seja normalmente proferida por alguma forma de tribunal colegiado.
Para os mais otimistas o pressuposto é que num órgão colegiado, eventuais idiossincrasias ou erros de interpretação possam ser corrigidos pela força do melhor argumento. Para os mais céticos, a colegialidade pode ajudar a mitigar as preferências pessoais dos magistrados ou, ao menos, reduzir o efeito lotérico de um julgamento monocrático.
A colegialidade é particularmente importante quando falamos de um tribunal de cúpula, responsável por dar a última palavra em questões de alta complexidade jurídica e com grande impacto político, econômico e mesmo social.
A Constituição de 1988 projetou o Supremo Tribunal Federal como uma corte extremamente poderosa, seja pela difícil tarefa de guardar uma Constituição tão ampla, seja pela concentração de tantas atribuições nas mãos de um único tribunal.
Ocorre, porém, que esses poderes “supremocráticos” passaram a ser exercidos de maneira cada vez mais explícita e exacerbada pelos seus membros, monocraticamente. Isso levou Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhando Ribeiro, num instigante e muito bem documentado artigo, a sugerir que transitamos de uma “supremocracia” para uma “ministrocracia” (Novos Estudos do Cebrap, 2018). E eles têm toda a razão.
O fenômeno não é novo. Paulo Marcos Veríssimo já havia alertado há quase dez anos que apenas 0,5% das decisões do Supremo Tribunal Federal eram tomadas pelo seu plenário. Era claro, desde então, que a jurisdição do tribunal não poderia ser usurpada pelos seus ministros sem o risco de esgarçar a própria legitimidade e autoridade da corte (Direito FGV, 2008).
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A partir de uma profusão de exemplos, Argulhes e Ribeiro demonstram que a “ministrocracia” está baseada em diversas ferramentas. Em primeiro lugar no forte controle que os ministros individualmente exercem sobre a agenda do tribunal. Deixam claro que tão importante como tomar uma decisão, muitas vezes, é impedir que ela seja tomada. E isso pode depender de uma decisão individual. Apontam também para um grande número de liminares e cautelares que, monocraticamente concedidas, têm o efeito prático de colocar uma pedra sobre a questão, suprimindo uma posterior apreciação do plenário.
Se a “supremocracia” já era um problema, a “ministrocracia” é um problema ainda maior.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 28/04/2018