O Brasil não é um país sério. Essa frase famosa, atribuída ao general Charles de Gaulle, talvez nunca tenha sido pronunciada por ele. Mas seria, provavelmente, se ele voltasse do túmulo e acompanhasse o noticiário brasileiro das últimas semanas. O Conselho Nacional de Educação propõe incluir no ensino básico uma disciplina sobre direitos humanos. No Brasil, a escola cumpre muito mal sua primeira missão – ensinar a ler, a escrever e a calcular. Esse é o passo inicial, em qualquer sociedade orientada para o desenvolvimento econômico e para ademocracia. Além disso, uma boa escola dará à criança rudimentos de ciências naturais, artes, história e instituições de seu país. Ao mesmo tempo, estimulará o estudante a ampliar gradualmente o foco de seus interesses. Tudo isso já foi importante no ensino público brasileiro. Há muito deixou de ser. O desinteresse do Ministério da Educação pelas tarefas essenciais é evidenciado por seu descuido em relação ao material produzido e distribuído com dinheiro do Tesouro. Mas isso combina com as novas prioridades: transmitir as “variantes linguísticas” (nóis chuta as bola), combater a homofobia (como se essa fosse uma atitude generalizada, uma espéciede praga social) e ensinar direitos humanos (embora o direito à educação básica, essencial para o exercício de quase todos os demais, seja negligenciado).
O Conselho Nacional de Educação ganhou notoriedade, recentemente, ao condenar a distribuição de um livro de Monteiro Lobato, “Caçadas de Pedrinho”, por seu conteúdo “racista”. Se o livro é racista, seu autor também devia ser. É uma estranhíssima acusação a Monteiro Lobato, mas compatível com a seriedade e a inteligência da política educacional. Os conselheiros desistiram da censura, mas com uma recomendação: os professores devem explicar aos alunos o contexto histórico do livro – como se os alunos fossem um bando de imbecis. Geralmente não são, quando recebem a instrução mínima tão desprezada pelas autoridades educacionais.
Os professores do ensino fundamental mal conseguem transmitir as informações mínimas para justificar a diplomação do aluno. O tempo das aulas é insuficiente. Além disso, muitos docentes ganham mal, têm formação deficiente e sobrevivem com muita dificuldade. São desvalorizados, ofendidos, agredidos e até mortos em escolas sem segurança. O magistério, no Brasil, tornou-se profissãode risco. A violência é rotineira em muitas escolas e certamente encarada por muitos jovens como um componente normal da vida. Não há nadade surpreendente, nesse quadro, quando se consideram a inépcia das autoridades e a ineficácia da lei penal.
Criar condições para os professores cumprirem suas tarefas básicas está longe de ser uma prioridade para políticos e autoridades educacionais. Uma lei sancionada em 2003 incluiu no currículo uma disciplina de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Como cumprir essa lei? Já é uma bênção encontrar professores qualificados para bons cursos tradicionais de História do Brasil. E é uma bela surpresa, sem dúvida, topar com algum jovem razoavelmente instruído sobre o passado de seu país.
Se a escola fundamental fracassa em suas tarefas elementares, como poderá incluir no currículo as disciplinas inventadas pelos luminares politicamente corretos? Segundo notícia recente, há uma grave escassezde professores de Matemática, Física e Química. Autoridades deveriam preocupar-se com isso, em vez de perder tempo agitando bandeiras demagógicas. Alunos bem formados e preparados para ganhar a vida com independência serão capazesde entender e de respeitar direitos. Nunca chegarão a esse ponto, se forem condenados a depender do paternalismo.
Mas isso é conversa para país sério – ou administrado com o mínimo indispensável de seriedade. O padrão da política educacional não é muito diferente, afinal, daquele encontrado em tantas outras atividades essenciais. Pode-se falar em seriedade, quando é rotineiro o roubode armas guardadas em fóruns da Justiça? O roubo de 200 armas em São José dos Campos, há poucos dias, foi apenas mais um numa longa sequência.
Seriedade também não é o caso, quando centenas de milhares de pessoas continuam sem luz e sem água, na Grande São Paulo, um dia e meio depois de uma tempestade com vento. Numa das últimas grandes cidades com fiação elétrica aérea, desastres desse tipo chegam a ser até compreensíveis. No mundo civilizado, não. Em países sérios, não se fala em roubos e homicídios cometidos por pessoas “com várias passagens pela Polícia”. Se passaram por lá, por que saíram? Talvez o governo federal possa financiar uma cartilha para explicar e justificar fatos como esses. Com “variantes linguísticas”, naturalmente.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 15/06/2011
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