“Enfim, como será admitido, por princípio, que o Estado estará encarregado de fazer a divisão fraterna em favor dos cidadãos… Todos se agitarão para reclamar os favores do Estado. O Tesouro Público será, literalmente, entregue à pilhagem. Cada um terá boas razões para provar que a repartição da fraternidade legal deve ser entendida no seguinte sentido: as vantagens para mim e as cargas para os outros”. (Frédéric Bastiat)
Solidariedade é um sentimento sublime, que muitas vezes nos deixa tão ou mais gratificados que os próprios beneficiários da nossa compaixão. Porém, depois de já ter embarcado em tantas canoas furadas, procuro refletir um pouquinho, antes de abraçar qualquer causa. Vejam, por exemplo, o caso dos bombeiros.
Imagine, leitor, a seguinte situação: você contrata um funcionário em sua empresa ou residência. Combina o salário e cumpre com todas as obrigações pactuadas. Passado algum tempo, o empregado começa a exigir aumento de salário, desrespeitando os critérios de reajuste previstos. Você responde que aquela é a remuneração acertada e não está em condições de revê-la no momento. Em circunstâncias normais, o funcionário pediria as contas e procuraria outro emprego, dentro das suas expectativas, ou continuaria trabalhando normalmente.
Não é fácil conceber que aquele profissional simplesmente cruzasse os braços e, ainda assim, continuasse a receber os salários em dia. Muito menos que ele, além de não trabalhar, interditasse algumas áreas da propriedade do contratante, impedindo-o de transitar por ali.
Por mais absurdo que pareça, foi exatamente isso que os bombeiros fizeram recentemente no Rio. Insatisfeitos com os vencimentos (dos quais tinham pleno conhecimento quando entraram para a corporação) e diante da recusa do governador em negociar, partiram para a radicalização. Primeiro, fecharam o principal cruzamento do centro da cidade, num dos horários de maior movimento, prejudicando milhares de cidadãos – que vêm a ser seus verdadeiros patrões, pois é deles que o governo tira dinheiro para pagar o funcionalismo. Não satisfeitos, invadiram um prédio público, propriedade dos pagadores de impostos deste estado.
Ninguém pode obrigar ninguém a trabalhar contra a vontade. Um contrato de trabalho é um acordo de conveniência mútua. Já a busca por melhores condições de vida é uma virtude humana digna de aplausos. Todo trabalhador tem o direito sagrado de pleitear aumento de salário, inclusive fazendo greves, mas deve (ou deveria) estar ciente dos riscos inerentes a esta decisão, que poderá redundar até em demissão – pelo menos na iniciativa privada é assim que funciona. O que não vale, em nenhuma hipótese, é apelar para violência.
Fora as inaceitáveis ilegalidades praticadas pelos bombeiros, há outras questões que também deveriam ser avaliadas, antes de sair por aí exibindo fitas vermelhas: seria bom não esquecer, por exemplo, que, embora os salários divulgados não sejam uma maravilha, estão bem próximos da renda média nacional. Além disso, é quase certo que, pelo mesmo soldo, não faltariam pretendentes perfeitamente habilitados para substituir os insatisfeitos (até porque, em diversos países, este é um trabalho voluntário). Finalmente, se o governo ceder, o impacto nas finanças públicas será de bilhões, já que outras categorias, como policiais civis e militares (ativos e pensionistas), cobram benefício semelhante.
Malgrado tudo isso, boa parcela da população foi simpática às reivindicações. Uma enquete no site de “O Globo” mostrou que quase 90% dos opinantes apoiavam a causa. Provavelmente, essas pessoas acreditam que o dinheiro do estado cai do céu diretamente nos cofres do erário. Não enxergam que o aumento, caso concedido, será pago por todos. (Não por acaso, pesquisas de opinião têm mostrado que a maioria da população deseja reduzir impostos, mas só uns poucos se dão conta de que, para isso, é necessário limitar as despesas do governo).
Inadvertidamente, quando opinamos sobre algo (aparentemente) sem conseqüências pessoais, dispensamos o raciocínio prudente e ponderado. Em outras palavras, é racional ser irracional se o preço a pagar é desconhecido ou supostamente insignificante. De fato, se o governo do estado conceder o reajuste pretendido, o custo marginal para cada contribuinte será pequeno, porque diluído entre milhões. No entanto, de gota em gota o copo acaba transbordando. Não é à toa que pagamos impostos nórdicos e recebemos de volta serviços africanos.
Fonte: O Globo, 26/06/2011
No meu modo de ver, nem o salário mínimo – para a iniciativa privada – deveria ser determinado pelo estado.
Livre negociação, sempre. Aqui em casa, inclusive, funciona assim. Eu e minha ‘assesora especial para assuntos aleatórios domésticos’ nos entendemos multíssimo bem, há 9 anos. Ela é bem remunerada, com seus direitos trabalhistas garantidos, e eu não corro o risco de ficar na mão. Negociamos tudo, e sei, sempre, com quem contar.