A respeito de tudo se fala em transparência e, paradoxalmente, nunca vi tanta coisa que mais se aproxime da opacidade. Mas, além de pouco transparentes, também são estranhas. A esdrúxula empreitada de Honduras é uma delas, e dentre elas uma é sua aparente gratuidade. Por que e para que o Brasil se meteu ou foi metido naquele imbróglio, para passados três meses ver tudo terminar em água de barrela? São numerosos os casos de asilo diplomático, solicitado e deferido, enquanto o caso de Honduras começou clandestinamente com esbulho da nossa embaixada manu militari e com ela a jactanciosa declaração do hermano mais chegado ao presidente Luiz Inácio, o inefável cel. Hugo Chávez, ao proclamar-se senhor do plano concebido. Se verdadeira a assertiva, desnecessário dizer que a apregoada ciência não seria sem motivo e sem objetivo. Mas o próprio caudilho venezuelano se vangloriou de sua participação efetiva na estranha manobra.
O Itamaraty tartamudeou a respeito, ora sabia, ora não sabia da invasão; e não mais se falou a respeito. A chanchada terminou nas mãos do presidente da República, que, semana passada, por três vezes afirmou que não reconheceria o governo hondurenho recém eleito sob holofotes internacionais. Confesso ter estranhado que o entrevistador, na televisão, por três vezes perguntasse ao presidente, como se uma resposta sua, clara e inteligível, não fosse bastante. Foram três sucessivas respostas, não, não e não. É de notar-se, até agora, os presidentes sempre tiveram nos ministros, de sua livre escolha e confiança, cada qual em seu setor, os naturais e legais conselheiros; agora um ministro não basta, e o resultado é esse.
Em verdade, o caso chega a ser enigmático. O alegado seria que a eleição teria sido feita sob governo “golpista” em desfavor de um presidente legal destituído. Contudo, pelo que foi publicado, sob inspirações de hermano venezuelano, o ex-presidente pretendeu derrogar, mediante plebiscito, cláusula constitucional pétrea, que vedava a reeleição. Aí começou a novela, na qual o Brasil veio a acasalar-se com a Venezuela para a melancólica aventura que ainda não terminou.
Outro dado, de indisfarçável gravidade, liga o Brasil à Venezuela. Salvo melhor juízo, contra todas as evidências, seria temeridade insigne admitir a Venezuela, literalmente dominada pelo cel. Chávez, no Mercosul. Mas o presidente Luiz Inácio assim o quer, embora seu amigo e hermano tenha se revelado, nacional e internacionalmente, incompatibilizado com as normas constitucionais do Mercosul e com as normas comuns do convívio diplomático… Não há quem não saiba das debilidades do Mercosul e não há quem ignore que ele não resistirá às licenças do caudilho bolivariano se no Mercosul vier a ter assento, como quer o presidente brasileiro. Por que a insistência?
Aliás, dizia-se que ele era o paraninfo do bloco bolivariano, mas os fatos que se sucedem no tocante à espécie mais sugerem que o presidente brasileiro seja um liderado, líder continua sendo o cel. Chávez. Ainda agora, como convidado, ele participou de reunião do Mercosul em Montevidéu e lá procedeu como se fora dono da casa. Engane-se quem quiser.
(Zero Hora, 14/12/2009)
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